Início|Ocupações|A crise, as ocupações na UFSC e a Universidade

A crise, as ocupações na UFSC e a Universidade

-

Por IELA em 07 de dezembro de 2016

A crise, as ocupações na UFSC e a Universidade

Cartaz na Ocupação do CED. Foto de Marino Mondek

As Ocupações na UFSC chegaram ao fim, a PEC 55 foi aprovada em primeiro turno no Senado, e a crise brasileira tem se agravado. Em meio a esse momento, encontro no marxista peruano José Carlos Mariátegui, um dos grandes pensadores de Nuestra América, algumas explicações sobre esse episódio de mobilizações estudantis e o que nos aguarda nos próximos anos.
Mariátegui, em seu clássico “7 Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”, dedica justamente um dos textos que compõem o livro ao tema da educação pública. Escrita em 1928, a obra obviamente havia que tratar da Reforma Universitária. A Reforma, episódio marcante na história latino-americana, se iniciou em 1918 com a mobilização estudantil em Córdoba na Argentina, mas aos poucos se espalhou por praticamente todos os países da América Latina, nos quais os estudantes lutavam principalmente pelo direito à cátedra livre e por maior democracia nas universidades, em alguns casos, inclusive pelo co-governo, ou seja, o direito estudantil a participar da administração universitária.
O peruano encontra nas condições materiais de então a explicação para o avanço rápido dos movimentos pela Reforma Universitária. Cita José Luis Lanuza quando ele diz:
“Um movimento estudantil coletivo de projeções sociais tão vastas como a reforma universitária não poderia ter irrompido antes da guerra europeia. A necessidade de renovar os métodos de estudo era sentida, e ficava claro o atraso da universidade diante das correntes contemporâneas do pensamento universal desde a época de Alberdi, na qual começa a se desenvolver nossa embrionária indústria. Mas então a classe média universitária mantinha-se tranquila com seus títulos de privilégio. Infelizmente para ela, essa folga diminui na medida em que cresce a grande indústria, se acelera a diferenciação das classes e acontece a proletarização dos intelectuais. Os professores, os jornalistas e empregados do comércio se organizam sindicalmente. Os estudantes não podiam escapar desse movimento.”

Ou seja, naquele momento histórico, diante das transformações pelas quais estavam passando o mundo e a América Latina (I Guerra Mundial e crescimento da grande indústria), a classe média estava passando por um processo de proletarização. Proletarizar-se significa perder a propriedade dos meios de produção e dos meios de subsistência para o capital. Era natural, portanto, que surgisse dos estudantes uma reivindicação pelo novo. Eles, enquanto nova geração, seriam os principais afetados neste processo.
Do outro lado das trincheiras, os estudantes encontraram a maioria dos professores. Também oriundos principalmente da classe média, os professores já haviam conquistado seu espaço no mercado de trabalho e atuavam em geral de maneira corporativista, quase que oligárquica, defendendo seus interesses e burocratizando ao máximo a vida universitária em seu benefício. Quando do agravamento das tensões, muitas vezes atuaram no sentido de criminalizar o movimento, expulsando estudantes e proibindo reuniões públicas nas universidades.
Guardadas as proporções, a análise de Mariátegui ajuda em muito a entender o movimento de ocupações na UFSC e no país. A crise atual tem se agravado e as medidas do governo Temer contra a classe trabalhadora só aumentam. A PEC 55 limitará por 20 anos o orçamento federal, sucateando ainda mais a educação pública. A recente proposta de reforma da previdência passará a exigir um tempo de contribuição mínimo de 50 anos para aposentadoria com salário integral. Isso significa que um estudante universitário que comece a trabalhar após se formar, hipoteticamente aos 24 anos, somente se aposentaria com o salário integral ao chegar aos 74 anos de vida.
O que diferencia e agrava a realidade de 2016 em relação ao cenário de 1918, é principalmente a composição de classe dos estudantes. Infelizmente a Universidade ainda é espaço da elite e a presença da classe média é predominante. Contudo, a classe média desse começo de século XXI está muito mais proletarizada que a classe média do começo do século XX. Hoje boa parte da classe média é trabalhadora e o número desses que moram de aluguel é crescente. Suas vidas dependem, portanto, exclusivamente dos salários. Da mesma maneira, com a introdução do sistema de cotas nas universidades federais, um grande número de estudantes de baixa renda acessou o sistema universitário, e depende quase que exclusivamente dos programas de permanência para manter-se na Universidade.
O ano de 2016 já trouxe algo novo ao movimento estudantil na UFSC. De um lado as ocupações em Centros de Ensino, de outro a mobilização estudantil livre, em detrimento da paralisia e boicote de entidades como Diretório Central dos Estudantes ou Centros Acadêmicos. A crise traz essa possibilidade, de atuar politicamente sobre a realidade independente das instâncias institucionais. E como o governo cortará cada vez mais direitos dos trabalhadores em benefício da burguesia, essa crise tende a se acentuar, e ainda dará muito fermento nos próximos anos para a luta estudantil.
Provavelmente teremos um 2017 de muita luta e de crescimento das mobilizações estudantis na UFSC e em todo o país, não sem encontrar do outro lado a contra-ofensiva conservadora. Mas que de tudo isso, possamos construir algo tão grande quanto foi a Reforma Universitária para a América Latina.
 

Últimas Notícias