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A crise e a luta de classes

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Por IELA em 04 de março de 2020

A crise e a luta de classes

Tela-mural “Manifestación” (1934), do pintor argentino Antonio Berni.

Uma das principais diferenças do marxismo para outros métodos científicos é encontrar nas categorias da teoria uma existência concreta que antecede a sua existência teórica. O que pode parecer complexo a uma primeira vista na verdade é mais simples do que parece.
Para Marx as categorias não são conceitos produzidos arbitrariamente pelos pensadores, mas determinações concretas da existência. Assim, o “capital”, a “mercadoria”, o “valor”, por exemplo, são categorias que já existem na própria realidade humana antes mesmo de serem pensadas teoricamente em sua forma acabada.
Essa não é uma diferença menor do pensamento de Marx para os demais autores. Dizer que as categorias tem uma existência real, histórica, exige diante delas uma atuação prática. Daí a máxima marxiana: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”.
Do mesmo modo, para Marx, como a realidade humana é social, fruto da construção humana, nenhuma categoria pode ser eterna. Todas são fruto do desenvolvimento histórico da humanidade e como tal são transitórias. Isto significa dizer que a posição ocupada por cada uma delas na teoria é variável ao longo do tempo porque o é também na realidade.
Uma categoria que enquanto existência real ocupou uma posição de maior centralidade pode particularizar-se ao longo do tempo, sendo determinada por outra nova, de maior universalidade. É o caso, por exemplo, da renda da terra, que com a o declínio do feudalismo e surgimento do capitalismo passa a ser condicionada por uma categoria mais universal que é o capital.
Processo inverso ocorreu com a própria categoria de capital, que enquanto capital comercial existiu anteriormente ao sistema capitalista, mas só se tornou uma categoria universal, determinante das demais, com o pleno desenvolvimento do capitalismo em escala global.
A posição relativa das categorias não está dada, portanto, arbitrariamente pelo pensamento, mas pela existência concreta da vida. Num sistema como o capitalista, a categoria dominante que estrutura a sociedade é o capital. Ela, diz Jaime Osorio, como “um tornado derruba, absorve, faz girar e eleva pelos ares todas as relações que encontra em seu caminho, reorganizando-as e deixando nelas sua marca”.
A respeito da dominação do capital sobre a sociedade é interessante observar o que acontece em tempos de crises. Ruy Mauro Marini afirma que nas condições de “normalidade”, em que a sociedade parece estar paralisada, “os indivíduos tendem a se desagregar da força social a que pertencem, embrenhando-se em seus problemas cotidianos”.
As crises, ao contrário, vêm desnudar todas as contradições da sociedade. Nesses períodos, explica Marini, “as classes antagônicas expõem cruamente suas diferenças, aglutinam intimamente seus integrantes, arrastam consigo as camadas médias vacilantes, cindem brutalmente a sociedade e fissuram o marco institucional vigente. Então, o horizonte limitado dos indivíduos se rompe para abrir passagem a visões de uma grandeza inesperada.”
Isto não significa que os “problemas cotidianos” não sejam reais e importantes. Mas sim que os mesmos são particularidades e como tais sofrem a influência arrasadora do conflito entre capital e trabalho, ou seja, da luta de classes, que nas crises encontra sua forma mais acabada: a guerra de classes decretada pela burguesia contra os trabalhadores.
O liberalismo, seja de direita ou de esquerda, que assenta sua existência na exaltação do indivíduo, mistifica a realidade. Nega as classes porque defende as saídas individuais. Quando afirmamos a insuficiência das saídas liberais na superação dos dramas da sociedade não é, portanto, por desconsiderarmos os dramas individuais, mas por termos a clareza que os mesmos não estão descolados da contradição estrutural da sociedade capitalista: a luta de classes. É isto que a crise atual vem cada vez mais desnudando e negar-se a percebê-lo pode consolar momentaneamente os espíritos, mas não mudará a realidade.

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