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A cultura do ódio contra indígenas se expressa na UFSC

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Por IELA em 31 de janeiro de 2016

A cultura do ódio contra indígenas se expressa na UFSC

Foto: Kuaray Mariano

Uma página no facebook, que leva o nome da UFSC, embora não seja a página oficial da universidade, volta a provocar protestos. Ela já havia sido denunciada por racismo, uma vez que publicou uma foto ofensiva à comunidade de alunos negros e agora, provoca a revolta dos estudantes indígenas ao dar espaço para nova onda de comentários racistas. Não bastasse as piadas preconceituosas sobre a presença de estudantes indígenas na UFSC, que em 2015 eram em número de 17, nos mais variados cursos,  além dos 140 que finalizaram o curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, vários membros do grupo UFSC passaram a questionar – também com comentários racistas  – a existência do curso de licenciatura que é exclusivo para os indígenas, uma vez que se dedica a formar professores para atuar nas escolas indígenas. O caso se reveste de maior perplexidade quando um aluno do curso de Medicina que é representante discente no Conselho Universitário, órgão máximo de gestão da universidade, também participa do debate e no mesmo tom. 

As postagens se seguiram mostrando a cara racista de um número significativo de estudantes que, antes do facebook, talvez jamais ousassem dizer o que dizem agora em público.

Indignados com os comentários e a demonstração de racismo, estudantes indígenas passaram a intervir na discussão e ainda foram novamente agredidos, chamados de “violentos e racistas contra os brancos”. O virulento destilar de ódio e preconceitos por parte dos estudantes da UFSC provocaram a confecção de uma carta aberta à população, na qual os estudantes indígenas denunciam o racismo e exigem da Universidade Federal de Santa Catarina uma posição sobre o assunto. 
Já no caso do racismo contra os negros, a universidade em princípio também se omitiu, alegando que não era a página oficial da instituição. Mas, diante das manifestações das entidades de luta do povo negro e de apoiadores acabou tendo de minimamente se posicionar contra a prática de racismo. Agora, os estudantes indígenas querem que a UFSC também se manifeste e aja em consequência para coibir esse tipo de prática numa instituição que deveria primar pela liberdade e pela inclusão social. 
Em 2016, mais 19 novos estudantes indígenas de graduação e quatro de pós-graduação ocuparão espaços dentro da UFSC, somando-se aos 17 graduandos que já estão cursando a universidade e eles exigem respeito. Sabem que a luta pela extinção dos povos indígenas é uma batalha renhida que se dá no âmbito da sociedade, mas isso não significa que vão aceitar facilmente posturas racistas, ofensivas e discriminadoras. Como diz a estudante Txuluhn Gakran, nenhum deles está na universidade dos brancos por quer. “Essa é uma exigência que os brancos colocaram para nós. Eles invadiram a nossa terra, tomaram a nossa vida e agora nós temos de nos apropriar também do conhecimento produzido por eles, para impedir o nosso extermínio. Nossa vontade era de estar na nossa aldeia, vivendo nossa cultura. Mas, temos de aprender sobre o mundo branco. Isso nos foi imposto. Não tem cabimento que agora queiram nos impedir de estar aqui”.       A carta dos estudantes lembra ainda que é direito dos indígenas a organização social, cultural e linguística, mas  na prática, a instituição UFSC mostra que em matéria de direito os povos originários estão em desvantagem, visto que em sete anos da instituição das cotas, não há nenhum indígena formado em curso regular, justamente porque a vida dos estudantes é inviabilizada pela burocracia que se expressa, por exemplo, na exigência de preenchimentos de formulários on line, aos quais os indígenas não têm acesso uma vez que a maioria das aldeias no estado não tem acesso a internet. Algo que pode parecer prosaico para quem pode ir numa “lan house”, mas que se reveste de grande dificuldade para quem tem se deslocar até 70 quilômetros para encontrar um acesso a internet. Fica absolutamente claro para os estudantes indígenas que a universidade não se prepara para receber essas pessoas e parece não ter qualquer interesse em mudar suas práticas, reconhecendo a especificidade desse estudante. O mesmo se evidencia no reconhecimento da língua nativa. Para os indígenas, mesmo que tenham domínio do português e da sua língua materna, ainda é exigido o domínio de uma terceira e quarta língua, no caso de mestrado e doutorado.  
A polêmica causada pelos comentários racistas no grupo da UFSC é uma “saudação” ao contrário para os 19 novos estudantes que começam sua jornada na graduação da universidade esse ano. Uma mostra do tanto de discriminação a que eles e elas estarão sujeitos ao longo da vida universitária. 
Quando no alvorecer do século XX o lendário marechal Rondon iniciou sua caminhada buscando incluir os povos indígenas na sociedade brasileira branca, na sua ingênua fé dessa possibilidade ele não imaginava que passado tanto tempo os indígenas que atenderam ao seu chamado de sair do isolamento de suas aldeias integrando-se a vida nacional, ainda estariam passando por esse tipo de preconceito. No Brasil, o índio só é visto como algo exótico, que serve para ser incensado no dia 19 de abril. Mas,o índio real, que exige sua terra, que luta pelos seus direitos é visto como um atrapalho ao progresso e à nação. E, além de terem suas terras roubadas e sua cultura destruída, são impedidos de viver como brasileiros, desfrutando dos mesmos direitos que são garantidos a qualquer outro cidadão do país.
Sistematicamente massacrados pelos fazendeiros, minerados, madeireiros e especuladores de terra – com a omissão criminosa dos governos –  os povos originários do Brasil, que conformam mais de 300 etnias, há muito tempo que compreenderam que a única via que podem trilhar na selva branca é a da luta. E assim eles vão resisitindo, seja no território original, seja fora dele. Porque, na verdade, não existem índios aculturados, ou índios genéricos como expressou o deputado catarinense Valdir Colatto. Os índios são cidadãos das mais diversas nacionalidades – Xokleng Laklãnõ, Kaingang, Guarani, Tabajara, Pataxó, etc… – que vivem no território da nação brasileira e dela fazem parte. Por isso, não vão mais permitir as práticas racistas que buscam diminuí-los ou envergonhá-los.
Os povos originários que vivem no Brasil tampouco aceitam o dedo apontado para eles, quando se revoltam, com as costumeiras alegações de “racismo reverso”. Isso não existe. Quando um indígena se levanta na indignação não está sendo racista contra os brancos. Está, isto sim, exigindo que os direitos garantidos aos brancos sejam os mesmos para eles. Se as respostas ao racismo são, por vezes, violentas, ela não é mais violenta do que a prática que orienta e acoberta a discriminação.
A carta dos estudantes indígenas já circula pelas redes sociais e nessa semana que inicia eles devem formalizar uma denúncia na ouvidoria da UFSC. 
Conheça a carta de repúdios escrita pelos estudantes:
CARTA DE REPÚDIO CONTRA RACISMO SOFRIDO POR ESTUDANTES ÍNDEGENAS NA UFSC
Os estudantes Indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina ­ UFSC, em conjunto com lideranças indígenas e apoiadores vem por meio desta tornar público, crime de racismo que vem acontecendo de forma explícita e velada contra os indígenas, tanto por pessoas da comunidade acadêmica em geral como também pela instituição ­ UFSC.
A muito nossa presença enquanto estudantes indígenas nesta instituição, Universidade Federal de Santa Catarina ­ UFSC, tem causado desconforto, os ataques e questionamentos sobre nossa presença são constantes, a exemplo disso o recente caso de racismo em um grupo do facebook denominado UFSC, ocorrido no dia 28/01/2016, comentários carregados de estereótipos, pretensiosos e mal intencionados “choveram” nos ridicularizando. Como esses que seguem, a respeito do curso de licenciatura indígena existente nesta instituição:
“E essa licenciatura aí também serve pra caçar capivara sem ser multado pelo Ibama?”
“onde eles fazem estagio? depenando aves que gostam de melancia?” “Em qual fase aprende a fazer oncinha pra vender no centro?”
“Para preservar o senso de camaradagem e bom humor, deixo aqui umas piadas de indio”: “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUHEUAHEUHAEUHEUHUEA HUEHUEAHUEAH CARALHO MANO EU RI DEMAIS COM ESSA PORRA”.
A despeito disso viemos refutar qualquer afirmação estereotipada e generalista que fora proferida.
O post que foi publicado no grupo UFSC é tendencioso e incita o ódio e racismo contra os indígenas. Crime previsto no Art.286 do Código Penal ­ Decreto Lei 2848/40. O mesmo post questiona a exitência de um curso específico (Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica) que atende as três etnias do estado: Xokleng, Guarani e Kaingang ( que na primeira turma contou com acadêmicos provenientes dos estados de Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro e de Santa Catarina), e por “discriminar” e “excluir” os não índios, além de outras etnias. A exemplo, um estudante do curso de medicina e membro discente do Conselheiro Universitário CUn ­ Entidade máxima representativa da UFSC, afirma ter acompanhado o processo de criação do curso de licenciatura indígena, entretanto o mesmo posta o seguinte comentário:
“ A minha dúvida aqui é se é constitucional garantir que um curso ou parcela deste seja garantido a apenas uma etnia específica dentro de uma seleção em universidade pública de ensino?”.
Esse comentário do estudante conselheiro levou os outros estudantes da UFSC a questionar sobre a legalidade do curso e ainda proferirem mais discurso de ódio contra nós. Um deles chegou a dizer que somos arrogantes e violentos e que não temos discurso racional.
É bom frisar que racismo reverso não existe – racismo se refere a uma omissão de direitos e a uma série de privilégios históricos, do qual não possuímos. Sem nenhum interesse no conteúdo do curso a noticia fora plantada de forma sensacionalista, com intuito de criar a discórdia e colocar estudantes uns contra os outros, confundindo o direito de liberdade de expressão com incitação ao ódio, de maneira velada e a tom de piada foi se propagando, o racismo já naturalizado em suas cabeças colocou de forma incongruente o agressor como vitima, causando ainda mais revolta.
Nenhum discurso de cunho racista, preconceituoso e estereotipado será tolerado, nós hoje, somamos cerca de 17 estudantes nos mais diversos cursos e áreas do conhecimento, contando também com 4 em pós graduação. Esse ano de 2016 a UFSC terá mais 19 alunos em cursos de graduação regulares, três em pós graduação, além de uma nova turma de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, estamos ocupando nossos espaços por direito, uma conquista que à muito tempo temos lutado.
A UFSC por outro lado se omite diante de nossas demandas, segundo a LEI Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012. a lei de cotas, é dado uma parcela mínima de vagas à indigenas, além de 22 vagas suplementares. O Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Não há equidade e respeito a direitos constitucionais quando somos submetido a tratamentos desrespeitosos, a falta de empatia da própria universidade que, de forma indireta através de burocracias dificulta nossa entrada e permanência na instituição, um exemplo claro disso é sete anos de políticas de ações afirmativas e nenhum indígena formado em um curso de graduação regular, institucionalizando o racismo e sendo conivente com tais atos. Essas ações de dificultar nossas vidas acontece desde preencher formulários extremamente burocráticos ONLINE (lembrando que a maior parte das terras indígenas não possui internet a disposição), deslocamento (como o caso dos Xokleng, etnia do Estado, que tem que percorrer cerca de 70 km até o local de prova mais próximo) provas que não estão de acordo com as vivências indígenas, a escolha de uma terceira língua (inglês ou espanhol), notas de corte absurdas como o ocorrido de 2015, primeira etapa de matricula do curso online. Munidos de pilhas de documentos e sem dinheiro nem para o lanche durante o percurso de deslocamento para a segunda etapa da matrícula, seguem sem a garantia de que terão uma casa para morar, visto que mesmo aderindo ao programa de bolsa permanência não há a certeza de recebimento por pelo menos três meses após efetuado cadastro, o fato de nossos familiares não terem remuneração também agrava a questão, não há como alugar uma casa sem possuir ao menos dois aluguéis em mãos, ou ainda um fiador que aceite tais condições de não recebimento até que a bolsa seja paga.
Os novos calouros desse ano, sem mesmo efetuar a matricula presencial já sentem na pele o que está por vir, a busca por uma ferramenta que possibilite um melhor atendimento ao nosso povo tem um alto preço, mais caro que os aluguéis de miseras kitnetes, de todos os futuros xerox, livros, jalecos, materiais e de toda a saudade que vamos sentir de nosso povo, o preço é nosso sangue, podemos afirmar com certeza que o tempo dos bugreiros não passou, eles ainda tentam nos matar, dessa vez com papéis, canetas, leis e burocracias, mas nós somos fortes, somos guerreiros, o pedido de nossos ancestrais de registrar e não deixar morrer nossa cultura e conhecimento será cumprido, pois não foi só um pedido, foi uma visão.
As devidas providências que cabem ao ocorrido estão sendo tomadas, isso não vai acabar em branco.
A UFSC vai ser indígena!
Florianópolis ­ SC 30 de janeiro de 2016.
 

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