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A Dialética Vaselina

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Por Gilberto Felisberto Vasconcellos em 27 de março de 2023

A Dialética Vaselina

Foto: Rubens Lopes

Intriga-me, não por dele ser amigo, que Nildo Ouriques escreva sem rebuço sobre o que pensa da atualidade e nada é dito quanto a sua abordagem marxista, discípulo de Ruy Mauro Marini.

O título do artigo “A União dos Democratas” remete à questão da fragilidade da democracia se o bolsonarismo veio para ficar. A vitória eleitoral de Lula não parece de grande significado político e econômico, por conseguinte é deslumbrada a euforia por ter Jair Bolsonaro perdido as eleições.

A política é entendida em sua materialidade de classe com os interesses econômicos e sociais, e não como fato moral de costumes, liberdade sexual, gênero e etc.

Fato é que Nildo Ouriques acerta na crítica ao liberal-petucano, mas erra em relação ao fáscio-bolsonaroide, mencionado como o “indefinido brado pela liberdade”, “Bolsonaro clama pela liberdade contra a democracia”. Tudo isso soa esquisito na análise do bolsonarismo, mas há acerto quando Nildo Ouriques diz que o germe do bolsonarismo está no rentismo do plano real. Pasolini achava que “consenso” era uma estratégia fascista.

O plano real é a “economia política do rentismo”. Nota 10 para Nildo Ouriques. Segue-se a crítica ao Ministro da Defesa sobre a despolitização das Forças Armadas, como se houvesse a possibilidade de haver Forças Armadas sem política. Isso não existe desde o Duque de Caxias. O lance é saber que tipo de política opera as Forças Armadas. O dilema do soldado brasileiro está entre Monroe e Bolivar, o dilema pende para Monroe porque o país é dependente, subdesenvolvido e compra armamento dos países hegemônicos.

O desafio é harmonizar o pobre e democracia, aquilo que Francisco Weffort sublinhava que era meta do PT, então Lula estará sendo compelido a filantropia compensatória, em contraste com o Bolsonaro desapiedado quanto aos pobres e miseráveis. Então, a diferença se insere no plano moral assistencialista e filantrópico.

O sopão envenenado para os despossuídos, é isso o que estava em pauta no governo Bolsonaro. Cito aqui a expressão de Marx “despotismo militar” em correspondência com Engels. “Despotismo militar” significa a supressão de todas as leis, segundo Marx.

O problema do Bolsonarismo é tentar converter as Forças Armadas em seita, a qual faz de tudo para manter-se unida.

Salienta-se a pergunta magistral de Nildo Ouriques: o que é o pobre para o Banco Mundial? Isso lembra Álvaro Vieira Pinto discorrendo sobre os mecanismos que fazem do pobre um submisso, na linha de Fannon, de Glauber, de Darcy Ribeiro quanto a submissão cultural do pobre.

A discussão sobre as armas já foi posta por Glauber Rocha: as armas nas mãos dos famintos. É essa a insurgência do cinema de Glauber Rocha e de sua estética da fome. A estética da fome coloca a seguinte questão: câncer é um faminto matando outro faminto. Justiça social só com armas para os famintos, é isso a sublevação da miséria nos filmes de Glauber Rocha.

Quem integra a classe dominante no período Lula não é diferente da ditadura, e quem exerce o poder político no governo Lula? Marx dizia que a rapacidade é o princípio vital de toda burguesia. Foi assim que Ruy Mauro Marini reagiu à intriga de FHC e José Serra.

Façamos outro Bolsonaro antes que as Forças Armadas o façam. Essa nova aventura forjada pelos discípulos do general Frota parece ser irrepetível. A genealogia da moral Bolsonaro está na mistura de programa de auditório do tipo Faustão e Jô soares com a novela da Regina Duarte e Daniel Filho a vida imita a telenovela.

Do que se trata é a degeneração mental e biológica de uma sociedade miserável, parasitária, rentista e dependente, degeneração interclassista, porque degenera o pobre, degenera o rico e degenera a classe média. Essa é, digamos, a ontologia social do bolsonarismo, para usar a expressão famosa do filósofo György Lukàcs. Ontologia social do bolsonarismo, não apenas as artimanhas da superestrutura de Sergio Moro, Lava Jato, petucanismo, Agulhas Negras e Judiciário. Por ontologia social. Entende-se tessitura das relações que gerou o bolsonarismo.

O berço melancólico do bolsonarismo é o Rio de Janeiro que matou a letra dos Cieps, com a vitória da telenovela e do roque in ril. Daí o seu obscurantismo, daí o seu ódio intelectual, daí o seu ódio à biblioteca. A family bolsonara é uma invenção de telenovela pós 64 gerenciada por Roberto Campos e Paulo Guedes.

Resta saber, depois da contribuição crítica de Nildo Ouriques, se o bolsonarismo com ou sem Bolsonaro, é uma necessidade histórica da burguesia rentista, cafajeste, cínica, compradora e desterritorializada.

A degradação biológica da maternidade é um dos aspectos da ontologia social bolsonara. Secou o peito da mãe junto com as florestas derrubadas e queimadas.

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