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A dívida deles e a nossa

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Por IELA em 03 de dezembro de 2004

A dívida deles e a nossa
Por Nildo Ouriques/OLA
03/12/2004 – Os Estados Unidos e os principais credores da dívida externa contraída durante o regime de Sadam Hussein chegaram nesta semana a um importante acordo sobre a reestruturação da dívida externa do país sob ocupação das tropas estadunidenses. O acordo prevê o perdão imediato de 30% da dívida enquanto que outros 30% ficariam vinculados a aplicação de um programa elaborado pelo Fundo Monetário Internacional. Finalmente, os 20% restantes estariam condicionados ao êxito das medidas adotadas pelo organismo internacional. A experiência internacional revela que o objetivo principal do FMI é conquistar uma espécie de equilíbrio econômica cujo objetivo é a capacidade de extrair um excedente econômico em que a parte do leão flui para os credores internacionais e a parte menor fica reservada aos sócios menores, representados pela elite local que, no caso do Iraque, colabora com a ocupação e empresta ao regime a característica de um governo democrático e nacional.
A elite estadunidense e européia sedimenta, assim, um caminho que podem trilhar juntos de tal maneira que o eleitorado europeu mantém a crítica ao intervencionismo do primeiro e, da mesma forma, assegura-se os interesses bancários dos segundos. Somente a administração da riqueza petroleira – realizada por um governo títere – permitirá o adequado respeito ao plano destinado a implementar uma economia de “mercado” naquela região.
É importante observar que o “perdão” da dívida defendido pelos Estados Unidos esta baseado na doutrina da “dívida odiosa”, elaborada no século XIX quando ocorreu a independência de Cuba em relação ao império espanhol. Na oportunidade, os Estados Unidos afirmavam a falta de legitimidade de uma dívida que foi contraída contra os interesses populares, a revelia da maioria da população que jamais se beneficiou dos recursos que se transformaram em dívida de estado.
Por outro lado, o Institute for International Finance (IIF), um organismo sustentado para pensar as políticas dos donos do dinheiro em escala global afirma que chegou a hora de reestruturar a dívida dos países qualificados como “emergentes”. A estratégia consta de um documento oficial da organização intitulado “Princípios para o Fluxo Estável de Capitais na Reestruturação Justa da Dívida de Mercados Emergentes”. O presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meireles, apressou-se em afirmar que “ a ênfase na transparência e na relação sólida com os investidores, particularmente, vai beneficiar todas as partes”. Agregou também que “os princípios abrangem passos essenciais que investidores e emissores podem tomar juntos para recolocar um país no caminho do crescimento forte, da sustentabilidade do balanço de pagamentos e do acesso ao mercado”. (FSP, 23/09/2004)
A “relação sólida com os investidores” é o essencial no padrão de relacionamento entre os países dependentes e a aristocracia financeira, como sabemos. E “sustentabilidade do balanço de pagamentos” significa tão simplesmente gerar condições de pagamento religioso da dívida que segue condenando os países dependentes a modestas taxas de crescimento, aumento do endividamento e lenta e inexorável transformação destes países em plataformas de exportação para o mercado mundial. A conseqüência interna é concentração de renda e maior violência em relação as classes subalternas.
Contudo, no Iraque como na América Latina, o recurso à doutrina da dívida odiosa para uma reestruturação de seus débitos é mais do que legítima, pois no país árabe o regime contraiu dívidas para construir palácios e salas de tortura como afirmou Rumsfield. Algo muito semelhante ao destino dos créditos concedidos por banqueiros internacionais a elite criola latino-americana nas décadas de sessenta e setenta quando os generais formados nas academias militares nos Estados Unidos comandavam nossos países em ritmo de ordem unida. Também foram construídos palácios ou obras desnecessárias sem benefícios para a população, da mesma forma que salas de torturas não faltaram como bem demonstra a atual polêmica no Brasil sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar.
A História nos ensina que os Estados Unidos não possuem princípios, mas interesses e, por esta razão, a doutrina invocada para diminuir o espaço de pressão dos países europeus em relação ao Oriente Médio deve ser negada na periferia latino-americana: em ambos casos ela assegura a hegemonia dos Estados Unidos diante de seus adversários potenciais. A elite latino-americana observa todos os dias através de seus meios de doutrinação que alguns princípios são universais, como as “regras de mundo globalizado”, por exemplo. Deveria aplicá-los também na solução da dívida latino-americana.

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