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Ao povo, a comunicação…

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Por IELA em 28 de janeiro de 2005

Ao povo, a comunicação…
Por Raquel Moysés – jornalista no OLA
28/01/2005 – Um recorte sobre os movimentos da comunicação na Venezuela Bolivariana pode ser encontrado no livro Raízes no Libertador – Bolivarianismo e poder popular na Venezuela, (Editora Insular, 2005), lançado pelo OLA em Porto Alegre durante o Fórum Social Mundial, com textos de oito autores latino-americanos que enfocam diferentes aspectos da chamada revolução bolivariana. Os temas dos ensaios foram discutidos durante a primeira edição das Jornadas Bolivarianas, organizadas pelo OLA na UFSC. São leituras interpretativas sobre a constituição bolivariana, comunicação, educação, movimentos sociais e poder popular, democracia participativa, petróleo, num esforço para compreender os desafios e transformações da Venezuela governada por Chávez.
Durante a primeira edição das Jornadas Bolivarianas, a jornalista Elaine Tavares, autora do texto Ao povo, a comunicação…, publicado no livro, apresentou um cenário de como o revolver de conceitos mexeu também com a comunicação venezuelana. Elaine, que faz parte do grupo do OLA e é autora do livro Jornalismo nas margens – Uma reflexão sobre comunicação em comunidades empobrecidas (Companhia dos Loucos,2004), discute há uma vida a questão da comunicação popular e comunitária e deixa claro que nesse primeiro momento do seu debruçar-se sobre a comunicação venezuelana o recorte apresentado é parcial, mas já permiteconstatar, de forma inegável, o número de veículos populares e livres que fermentam, na rede mundial de computadores, a visão de uma Venezuela onde o povo é capaz de ser protagonista de sua história inventando também o seu próprio jeito de comunicar.
Hoje, como lembra Elaine, há uma tremenda batalha sendo travada nas prensas, nas ruas, nos bairros e nas ondas do ar da Venezuela. E a arma principal dos que sempre querem a derrocada da revolução bolivariana é a comunicação. À frente, Gustavo Cisneros, que segundo analistas, está sendo preparado por Washington para concorrer contra Chávez nas próximas eleições. O multimilionário dono da maior rede de televisão da Venezuela, a Venevisión, e de tantos outros veículos de informação, é um dos homens mais ricos da América do Sul, com uma fortuna estimada em quase cinco milhões de dólares.
“É certo que Cisneros não é o único a mandar na comunicação do país”, como lembra Elaine. “Há ainda uma meia dúzia de empresários, mas todos seguem o mesmo diapasão: satanizar o presidente.” Foi assim no pré-golpe e continua sendo. Basta dar uma olhadela nos principais diários digitais do país. “O poder da mídia é demolidor na Venezuela e, por isso, a meta de Chávez, tomado pelo que chama de “obsessão comunicacional”, é de avançar e consolidar espaços de comunicação alternativa marcadamente popular.”
Os nanicos
Elaine conta que, durante os dias do golpe, em 2002, em que Chávez ficou preso e Carmona assumiu a presidência, a reação popular e grande parte da resistência se fez nas ruas dos bairros pobres e através da comunicação alternativa. Toda a mídia oficial privada fervia de alegria pelo golpe. Até mesmo a televisão estatal, que estava sob o controle do governo, foi tomada pelos golpistas e passou a retransmitir no mesmo tom das empresas privadas. Foram os panfletos populares, as rádios comunitárias, a imprensa alternativa, que fizeram a diferença ao difundir a informação real do que se passava nas entranhas do poder. Foi inclusive uma rádio comunitária a primeira a divulgar que Chávez não havia renunciado, dando mais ânimo ao povo para resistir em frente ao palácio.
No período pós-golpe a vida dos chamados alternativos fervilhou. Só na capital, Caracas, o número de jornais populares passou de 100. Foi naqueles dias que nasceu a televisão comunitária Catia TV, que começou abrangendo apenas o setor oeste da capital e agora, em 2004, já chega em todos os cantos da cidade, com 80% da programação criada pela comunidade. Em todo o país já são 10 emissoras comunitárias irradiando informação fora do eixo privado. Além disso, uma série de equipes de televisão independentes produzem programas para serem transmitidos pelas comunitárias.
Muitos periódicos acabaram morrendo, mas ainda perduram 40 jornais populares só na capital. As rádios comunitárias continuam nascendo e o governo tem apostado nelas. Até agora, 153 emissoras foram legalizadas pelo Conselho Nacional de Comunicação e a fila de espera é grande. O governo bolivariano impulsiona a criação de novos veículos e hoje há uma política pública de incentivo que se expressa em oficinas de formação e apoio aos jovens interessados em fazer comunicação popular.
Segundo Iván Gil, diretor geral dos Meios Alternativos e Comunitários do Ministério das Comunicações, entrevistado por Elaine, o processo de distribuição das verbas para o setor de comunicação é discutido e decidido pelas comunidades onde os veículos estão instalados. São feitas assembléias e nelas se decide quem vai receber verba e quanto. Tudo baseado na demonstração efetiva do trabalho que o veículo desenvolve no seu dia-a-dia.
Elaine Tavares observa que outra frente importante na batalha da comunicação é a rede mundial de computadores. “Basta clicar Venezuela nos sítios de busca e lá vem a enxurrada de páginas, grande parte criada por jovens integrantes da missões bolivarianas ou grupos de comunicação popular. São criativas, ousadas, divertidas, profundas, instigadoras, questionadoras. E o governo tem investido pesado nisso.” Todas as semanas há cursos de capacitação. As escolas estão sendo dotadas de computadores e as associações de bairros também.
Um órgão específico do governo, ligado à informática, está viabilizando o projeto dos Infocentros, que deverão ser grandes centros informáticos, construídos nos bairros, com muito mais pontos de internet. Também há o Infomovil, um caminhão equipado com internet via satélite, que percorre os bairros ainda não conectados na rede, viabilizando o acesso Os portais www.antiescualidos.com ou www.aporrea.org, por exemplo, são férteis em informações e deles se espraiam enlaces múltiplos que mostram a cara jovem, comunitária e popular da Venezuela bolivariana.
Os veículos estatais
A “obsessão comunicacional” de Chávez também tem provocado mudanças significativas na comunicação estatal, constata Elaine. Até pouco depois do golpe havia apenas um canal de televisão, a Venezuelana de Televisión, sob o controle do governo. A emissora, nascida em 1964, só passou a ser estatal dez anos depois e, atualmente, tenta cobrir todo o território nacional recuperando o sinal em estados onde havia problemas técnicos.
A Venezuelana de Televisión, além de toda a comunicação do governo com seu povo, traz ainda programas culturais de recuperação da identidade nacional e programas comunitários onde são as gentes do povo, os sujeitos da história. Tudo isso pode ser visto, inclusive, pela rede mundial de computadores, ao vivo, o tempo todo. O sítio na Internet, www.vtv.gov.ve tem notícias diárias, programação e outros enlaces para acessar informações sobre o governo bolivariano.
Em novembro de 2003, outra rede estatal de televisão foi inaugurada, a VIVE. Mas, esta, tem um caráter popular e comunitário. Não se preocupa muito – como a outra – em entrar na lógica de responder aos ataques das demais redes televisivas privadas, via jornalismo. Na VIVE, como diz Elaine, “os personagens não são unicamente os brancos, bem vestidos, que, nas novelas, sofrem por angústias de amor frustrado, como os que aparecem nas redes privadas.” Ali, na TV comunitária, fala-se de reforma agrária, de programas de alfabetização, de acesso à saúde, e os que falam não são unicamente os ministros, especialistas, catedráticos. São as pessoas mesmas, da vida real, dos bairros, os que nunca apareciam na TV a não ser na crônica policial ou quando vítimas de catástrofes. Os personagens são os motoristas de táxi, os vendedores indígenas e as mulheres negras.”
Nos programas da VIVE TV, a prioridade é para o debate das idéias. “Os músicos e artistas que se apresentam não têm necessariamente discos a vender, obras para promover. Vão apresentar seu trabalho, conversar sobre a vida, a arte, a beleza, compartilhar experiências.” Ali, apenas 40% da programação é produzida pela própria TV, pois há a idéia de que é preciso incentivar a produção independente, plural, que, na VIVE, acaba tendo seu espaço de expressão.
Outro espaço de comunicação estatal é a VENPRES, agência oficial de notícias do governo. Tem 70 repórteres e correspondentes nas principais cidades do país prontos para noticiar os acontecimentos nacionais e regionais. Também difunde, em parceria com outras agências internacionais, o fazer do governo venezuelano Sua página na rede mundial, www.venpres.gov.ve, tem notícias minuto a minuto. “Faz o que chama de testemunhos, que são crônicas da história venezuelana e grandes reportagens que buscam dar uma visão universal da vida no país, não se resumindo a meros informes do que o governo faz ou deixa de fazer.”
Nas onda do ar está a Rádio Nacional da Venezuela, também um veículo estatal. No ar 24 horas, chega em qualquer canto do país, sempre com notícias atualizadas sobre a vida do país. A programação também pode ser ouvida pela rede mundial de computadores, ao vivo. A exemplo das TVs públicas, a Rádio Nacionalprioriza a expressão das comunidades. Durante a programação são debatidos os temas mais importantes para a população, om a participação dos especialistas governamentais e as gentes do povo. Na Venezuela a expressão livre está respaldada na Constituição de 1999, que estabeleceu o direito à comunicação como um dos elementos cruciais da democracia participativa. “É tão livre”, argumenta Elaine, “que, até agora, as redes privadas, que fazem uma oposição feroz e, por vezes, desonesta, também têm assegurado o seu direito de atuar.”
No contexto da informação estatal, o programa Alô Presidente, conduzido pelo próprio Chávez, é um destaque. Transmitido pela TV e pelo rádio – são mais de 100 emissoras ligadas em tempo real – chega a durar até sete horas, dependendo da dinâmica. “A fórmula é simples. O presidente se instala, a cada domingo, com sua comitiva, em alguma praça de qualquer cidade da Venezuela. Desse lugar, fala com o povo, atende pedidos, entrevista pessoas, apresenta vídeos sobre algum aspecto da vida venezuelana, responde chamadas telefônicas. “Com a desenvoltura de quem é locutor profissional – há mais de 15 anos ele atua em rádio – o presidente fala de política, trabalha a consciência da população, dá boas notícias sobre seu governo, faz uma espécie de escola popular.”
Elaine Tavares deixa claro, ao final do artigo, que nesse primeiro apanhado da comunicação bolivariana não foi possível uma caminhada pelas cidades, ruas e bairros do país a ouvir as gentes. “Mas, de qualquer forma, na confissão da parcialidade reside a honestidade de um olhar que tentou, dentro de certas limitações, passar um pouco das transformações comunicacionais que acontecem hoje na Venezuela.” Ao final, a jornalista brasileira fala de um sonho. Um sonho que, aos poucos, vai iluminando as mentes em todo o continente e que, talvez possa, agora com o início da Telesur, criar uma rede de comunicação comunitária popular da América Latina.

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