Os militares e a tentativa de golpe no Brasil
Texto: Elaine Tavares
Aguarde, carregando...
Um grupo de pesquisadores do Caminho do Peabiru e lideranças indígenas guaranis do Sul-Sudeste do país encaminharam a diversas entidades, entre elas a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a Ouvidoria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que recebe reclamações e denúncias sobre órgãos do governo federal, a cópia de uma Nota de Preocupação destinada à Rede Trilhas/Rede Brasileira de Trilhas (RBT).
O motivo, conforme os autores, é o “não-respeito à memória histórica” de índios brasileiros, além de “inadequações e inapropriações científicas e não-científicas frente ao tema” Caminho do Peabiru, que estariam sendo praticadas pela própria RBT.
A RBT é uma entidade ligada ao Ministério do Turismo e ao Ministério do Meio Ambiente.
“Fogo amigo”?
Além da questão indígena, os remetentes da Nota estranham certas atitudes da Rede Trilhas que lembram a prática do “fogo amigo”, (friendly fire em inglês) expressão que, em contexto bélico-militar, se refere a ataques entre aliados ou amigos.
Uma delas foi a assinatura de um Protocolo de Intenções para o Desenvolvimento do Caminho do Peabiru com os governos de S. Paulo, Paraná e S. Catarina, todos os 3 bolsonaristas e envolvidos em denúncias de equívocos peabiruanos.
E indagam: “Qual o objetivo a ser atingido (pela RBT) ao levar o governo Lula a pisar nesse ‘terreno minado’ (Peabiru duvidoso), politicamente falando?”
E seguem indagando: “Seria a meta deste quase ‘fogo amigo’ causar um desconforto ou constrangimento inevitável ao governo federal? Seria colocá-lo, como se fosse tática de guerra psicológica, em cena incômoda e vexatória ao ver-se envolvido com teses falseadoras e esdrúxulas?”
A mais importante transoceânica
O chamado Caminho do Peabiru, que começava no Brasil e findava no Chile-Peru era uma via milenar indígena, com cerca de 4 mil km, que ia do oceano Atlântico ao Pacífico, passando pela cordilheira dos Andes, sendo a rota transoceânica mais importante da América do Sul pré-colombiana segundo definiu Reinhard Maack, respeitado professor da UFPR, em 1959.
A Nota na íntegra
A seguir, a íntegra da Nota de Preocupação, que foi remetida também ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Ministério do Meio Ambiente e Mudança no Clima, além da ANPUH-SC (Associação Nacional de História, em S. Catarina):
NOTA DE PREOCUPAÇÃO À REDE TRILHAS SOBRE O CAMINHO DO PEABIRU
Nós, remetentes desta Nota, lideranças guaranis de S. Catarina, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pesquisadores do Caminho do Peabiru progressistas, pró-ciências e democráticos, acadêmicos e não-acadêmicos (de SC, PR e RS) vimos, através deste instrumento, externar nossa preocupação frente ao não-respeito à cultura e memória histórica indígena, tampouco à História, Geografia, Arqueologia e Etnologia no que tange ao Peabiru, por parte infelizmente da própria Rede Brasileira de Trilhas (RBT/Rede Trilhas).
A entidade, ligada ao governo federal (Ministérios do Turismo e do Meio Ambiente), ao assinar em 14 de novembro deste 2024, um Protocolo de Intenções para o Desenvolvimento do Caminho do Peabiru com os governos de S. Paulo, Paraná e S. Catarina (todos do PL bolsonarista, com graves falhas peabiruanas já apontadas por estudiosos), mostrou inadequações e inapropriações científicas e não-científicas frente ao tema.
Isso poderá afetar negativamente todos os usuários do Caminho (esportistas/ turistas/ ambientalistas/ escolares) principalmente as crianças e jovens inexperientes.
O chamado Caminho do Peabiru era uma via milenar indígena que ia do oceano Atlântico ao Pacífico, com cerca de 4 mil km, passando pela cordilheira dos Andes, sendo a rota transoceânica mais importante da América do Sul pré-colombiana segundo definiu o falecido Reinhard Maack, professor da UFPR, em 1959.
A seguir, para melhor entendimento, informamos os maiores problemas nos 3 Estados quanto ao assunto:
_ No caso de SP, o levantamento do Peabiru foi entregue pelo governo Tarcísio de Freitas à Dakila Pesquisas, denunciada pela SAB (Sociedade de Arqueologia Brasileira) como uma empresa envolvida em anormalidades e pseudociência, tais como a cidade fictícia de Ratanabá e a influência de discos voadores nas antigas aberturas de trilhas e caminhos brasileiros, relegando/ encobrindo/ menosprezando nossos indígenas, os reais autores de tais obras.
Certamente o trabalho paulista da Rede Trilhas será prejudicado pelos resultados pouco confiáveis das pesquisas da Dakila.
_ No caso do Paraná, o Projeto Turístico Caminhos do Peabiru, lançado há alguns anos pelo governo Ratinho Júnior com várias cerimônias e eventos, vem sendo questionado por estudiosos por privilegiar percursos “simbólicos”, através até de municípios onde a via nunca passou. Isso ao invés de colher dados concretos no farto material escrito (incluindo fontes primárias quinhentistas), mapeado e também arqueológico existente no Estado.
Por outro lado, frente a este problema e outros, numa Carta-Denúncia da Comunidade Científica ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) um grupo de professores/ cientistas de universidades paranaenses (entre elas a UFPR) pediu, no final do ano passado, a adoção de medidas contra a Dakila Pesquisas devido ao “falseamento intencional do conhecimento científico, através de reiteradas investidas de má fé intelectual”.
Conforme a Carta, a Dakila “cujo formato jurídico é de uma holding transnacional com negócios que incluem até a comercialização de uma criptomoeda” é gerenciada por Urandir Fernandes.
É a mesma pessoa que criou em 2009 um “ser extraterrestre” que chamou de ET Bilu, o qual foi desmascarado num programa de TV. Urandir anunciou em suas redes, ano passado, que firmou uma “parceria” turística peabiruana com o governo do Paraná.
Tudo indica, porém, que o acordo acabou não ocorrendo apesar da presença da equipe de Urandir no PR por vários dias. Nunca se soube detalhes da verba fornecida pelo projeto de Ratinho Jr. para financiar as despesas de tal visita com teor de propaganda. O que se sabe é que, conforme se vê pela Carta, Urandir desagradou arqueólogos locais. Entre outros motivos, por tentar filmar acervos do Museu Paranaense em Curitiba sem a devida consulta, e sair de lá propagando inverdades sobre materiais expostos no local. Além de afirmar que o Caminho do Itupava foi transitado por seres extraterrestres.
_ No caso de S. Catarina, um grupo político-empresarial de Joinville e Garuva, liderado pelo vereador Henrique Deckmann (MDB bolsonarista joinvilense) divulgou erradamente e sem provas, que os 2 municípios possuem trechos do Peabiru. Que seriam os campos do Quiriri (Joinville) e a Escadaria do Monte Crista (Garuva).
Tal deturpação, facilmente verificável no Arquivo Público Estadual por documentos do século XIX da Assembleia Provincial de SC (atual Assembleia Legislativa, ALESC) está hoje sendo apurada pelo Ministério Público Federal, em inquérito por propaganda enganosa.
Gravíssimo foi o fato de que o vereador Deckmann apresentou essas informações falseadas a deputados estaduais, que acabaram aprovando uma lei inútil, por conter graves desvios, a Lei da Rota Turística do Caminho do Peabiru no Estado de SC, no. 18635, votada no final de 2022 e rapidamente sancionada pelo governador em fevereiro de 2023.
Numa audiência pública na ALESC, em maio passado, para debate dos erros da Lei, ficou evidente o isolamento do grupo falseador de Joinville e Garuva, que na ocasião foi desmentido pelo IPHAN e pela Associação Nacional de História, ANPUH.
A este respeito, a ANPUH-SC já havia assinado Nota Pública, em janeiro passado, contra a versão Joinville-Garuva e mostrando preocupação com a lei turística errônea.
(OBS: Todas as provas documentais apresentadas na audiência pública na ALESC estão arquivadas no Sistema Eletrônico da Informação do IPHAN, processo no. 01510000189/2024-29)
Mesmo assim, apesar de todas as evidências contrárias, a Rede Trilhas e sua representação do IMA estadual (Instituto do Meio Ambiente), aceitou e marcou graficamente tais trechos como válidos. Certamente o trabalho catarinense da Rede Trilhas será prejudicado pelo provável resultado do inquérito do MPF, constatando a propaganda enganosa.
Isso porque existem manuscritos dos anos 1500 e 1600 mostrando que o verdadeiro Peabiru (“Caminho dos Índios”, como dito em 1541 por Cabeza de Vaca/Pero Hernandez, e diz também hoje a Antropologia/ Etnologia sobre a via sacralizada solar do povo guarani, relegada/desconsiderada totalmente pela Rede Trilhas) era pelo Rio Itapocu (Tape Puku, Caminho Comprido no idioma guarani), abrangendo outros municípios, partindo de Barra Velha e chegando a Corupá e S. Bento, de onde rumava ao Paraná.
Outra deturpação grave do grupo Joinville-Garuva foi a afirmação, desmentida por laudo do IPHAN, de que pessoas incas (Império Inca, cuja capital era Cusco no Peru) estiveram no litoral catarinense influenciando obras como a escadaria de pedras do Monte Crista em Garuva.
Contra esta versão inconcebível a Universidade Federal (UFSC) publicou o artigo Incas no litoral de SC? Um “turismo enganoso”, através do site do IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos)
À GUISA DE CONCLUSÃO: ao concluirmos esta Nota gostaríamos de fazer duas observações:
1)A primeira é um pedido de reflexão aos leitores da mesma, tais como a própria diretoria da RBT, a Ouvidoria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e integrantes da comunidade jornalística:
Qual seria o propósito de um órgão vinculado ao governo federal (a RBT, no caso) ao firmar um documento/protocolo de intenções com governos estaduais da oposição em assunto tão delicado, alvo de polêmicas, denúncias, críticas contundentes, laudos, notas oficiais de entidades, carta de professores/ cientistas e até de inquérito do Ministério Público Federal?
Ou seja, qual o objetivo a ser atingido ao levar o governo Lula a pisar nesse “terreno minado”, politicamente falando?
Seria a meta deste quase “fogo amigo” causar um desconforto ou constrangimento inevitável ao governo federal? Seria colocá-lo, como se fosse tática de guerra psicológica, em cena incômoda e vexatória ao ver-se envolvido com teses falseadoras e esdrúxulas tais como incas trabalhando em escadaria no litoral de SC (Monte Crista, em Garuva) e ETs vistoriando obra de trilha no Paraná (Caminho do Itupava)?
2)A segunda seria um pedido (ou melhor, um rogo), à diretoria da RBT no sentido de tomar providências na defesa dos direitos dos usuários do Caminho (turístico) do Peabiru em SP, PR e SC, respeitando sua boa fé, no sentido de informar a eles previamente e amplamente que o percurso que vão percorrer, contendo marcação gráfica da Rede Trilhas, não é o verdadeiro registrado, de modo científico, pela História, Arqueologia, Geografia e Etnologia (povo Guarani principalmente).
Outra tomada de providências seria na defesa dos direitos indígenas, com a RBT pedindo desculpa formal, pela desconsideração histórica e cultural, à Comissão Guarani Yvyrupá de SC e à Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), publicando o mesmo (pedido de desculpa) no site e redes sociais da RBT/Rede Trilhas e outras mídias utilizadas pela entidade.
Sem mais, saudações respeitosas!
Assinam:
José Karai Tataendy Benites, mestrado em Linguística pela UFRJ, coordenador da Comissão Guarani Yvyrupá de S.Catarina (CGY inclui caciques do Sul-Sudeste brasileiro), coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) ;
Carlos André Dominguez, professor da Universidade Federal de Pelotas/RS, PhD em Comunicação e Informação (UFRGS) autor do livro “Peabiru – O mítico caminho sagrado do Atlântico ao Pacífico”;
Rosana Bond, jornalista e pesquisadora do Caminho do Peabiru desde 1995/1996, com filmes/ documentários e 5 livros publicados sobre o tema, entre eles coleção “História do Caminho de Peabiru” e “A saga de Aleixo Garcia, o Descobridor do Império Inca”;
Henrique Schmidlin, estudioso pioneiro do Peabiru paranaense, ex Curador do Patrimônio Natural do Estado do Paraná, autor de dezenas de artigos sobre a Serra do Mar e seus Caminhos, colaborador do site Alta Montanha.
Texto: Elaine Tavares
Texto: Elaine Tavares
Texto: Gilberto Felisberto Vasconcellos
Texto: IELA