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Do fêmur à vida quebrada

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Por IELA em 12 de novembro de 2020

Do fêmur à vida quebrada

“Anos atrás, a antropóloga Margaret Mead foi questionada por uma estudante sobre o que ela considerava ser o primeiro sinal de civilização em uma cultura. O aluno esperava que Mead falasse sobre potes de barro, ferramentas para caça, pedras de amolar ou artefatos religiosos. Mas não. Mead disse que a primeira evidência de civilização foi um fêmur fraturado de 15.000 anos encontrado em um sítio arqueológico. O fêmur é o osso mais longo do corpo, ligando o quadril ao joelho. Em sociedades sem os benefícios da medicina moderna, leva cerca de seis semanas de descanso para a cicatrização de uma fratura de fêmur. Este osso em particular foi quebrado e curado”. (Blumenfeld, 2020 [1]) .

Alguém teria cuidado daquele ou daquela que havia quebrado o osso. Essa é, segundo Margareth Mead, a medida de que estamos nos civilizando, isto é, quando cuidamos do outro. Tudo ao contrário de um projeto civilizatório que  chegou até aqui porque se apoiou em sua história pregressa no fato de que alguém cuidou do outro e que, hoje, chega ao paroxismo com seu egoísmo fóbico que instiga e é instigado por ideia de que o consumo de cada quem é a medida da felicidade humana.
Desde Freud [2]  sabemos que há uma profunda relação entre consumo e individualismo. Hoje, nos convidam a que fiquemos em casa ignorando que a maioria dos mortais não pode fazê-lo, pois tem que buscar todos dia o que vão comer naquele dia. E ficar em casa salva aqueles e aquelas que têm uma casa confortável onde não se acumulam 4 ou 5 pessoas num mesmo cômodo em casas que não têm cômodos no plural.
Eis a medida da regressão civilizatória, haja vista que não cuidamos daqueles e daquelas que têm a vida quebrada tal e como um fêmur, apesar de tanto avanço da medicina que, como vemos, não é suficiente para indicar que estamos nos civilizando. A vacina pode até nos curar da Covid que, como tal, ainda guarda algum indício de que cuidamos do outro, mas não será suficentemente civilizatória se não aprofundarmos esse princípio ético de cuidar do outro.
Sublinhemos que o Covid 19 surpreendeu a humanidade num momento em que ela estava extremamente vulnerável pela miséria da injustiça social (comorbidades várias) e pela falta de cuidado com o outro. Afinal, ninguém morre de Covid 19, mas sim das predisposições que não temos para enfrentá-lo em função da miséria que vivemos onde, até mesmo, aquilo que indicava alguma preocupação de cuidar do outro, um estado de bem estar social, havia sido banido pelo capitalismo levado ao paroxismo do individualismo fóbico conhecido como neoliberalismo, onde não só o agro virou um negócio, como também a saúde, a educação, a … vida.
Notas
1 –  Fonte: Blumenfeld, Remy. 2020. Como um osso humano de 15.000 anos pode ajudá-lo durante a crise do Coronavirus. Revista Forbes. https/www.forbes.com/sites/remyblumenfeld/2020/03/21/how-a-15000-year-…. Consulta em 11/11/2010.2 –  Freud (1920-1923) psicologia das massas e análise do eu e outros textos. Cia das Letras, São Paulo, 2011.
 

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