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Juíza guatemalteca que condenou general genocida estará na UFSC

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Por IELA em 28 de fevereiro de 2023

Juíza guatemalteca que condenou general genocida estará na UFSC

Por iniciativa do professor Waldir Rampinelli, diretor da Editora da UFSC e integrante do IELA, em breve a UFSC receberá a juíza guatemalteca Iris Yassmin Barrios Aguilar, que, apesar de todos os riscos, condenou o general ditador José Efraín Ríos Montt a 80 anos de cadeia pela prática do crime de genocídio cometido contra a etnia maya ixil, na Guatemala. Ela sentenciou o assassino com um libelo primoroso de 700 páginas, tão grandes foram as barbaridades perpetradas pelo ditador. Também enfrentou o exército mais violento da América Latina, com seu corpo de elite “Kaibiles”, especialista na prática do terror contra os povos indígenas. Ela ainda exigiu que os poderes do Estado peçam perdão pelo genocídio perpetrado; que se dê aulas de direitos humanos no país; que se construa um monumento às vítimas; que se monte um museu itinerante do horror; que se estabeleçam centros de valorização da cultura maya ixil; que o 23 de março, de cada ano, seja o dia da conscientização do crime de genocídio praticado na Guatemala.

Sobre José Efrain Ríos Montt e o terror, Waldir Rampinelli escreveu:

“Na Guatemala, a luta armada se alastra pelas terras de Miguel Ángel Asturias. Vulcões vomitam fogo e corpos dilacerados regam com sangue o solo maia. Os indígenas exigem o retorno às suas origens, insurgindo-se contra as ditaduras de segurança nacional, comandadas pelo Pentágono. Existe a crença, nesse país, de que as árvores respiram o hálito das pessoas que habitam as cidades soterradas pelos conquistadores espanhóis, sendo, portanto, um costume antigo e familiar sentar-se à sua sombra e aconselhar-se para solucionar e resolver casos de consciência, problemas de amor, perdas de rumo na vida e buscas de inspiração poética. Ler nas rugas dos mais velhos é como retomar o caminho. Nas terras maias, a força não vem de cima, mas de baixo. Os 220.000 mortos sem tumba e os mais de 250.000 desterrados sem pátria ainda esperam, sob a sombra dos ipês-rosa, pelos julgamentos que começam, mas nunca acabam.

Atando silêncios com palavras, os movimentos indígenas levaram o ditador general José Efraín Ríos (de sangue) Montt (1982-1983) às barras dos tribunais, sendo o mesmo condenado pelo crime de genocídio a 80 anos de prisão, por ter assassinado, com requintes de crueldade, 1.771 maias ixiles, acusando-os de apoiar a guerrilha. Não satisfeito, o monstro fez desaparecer do mapa cerca de 400 aldeias e povoados – Operación Cenizas –, consumidas pelo fogo devorador. Nessas comunidades se matavam quase todas as pessoas, permitindo que algumas fugissem exatamente para contar às demais os horrores vividos. Com esta pedagogia de sangue, de dor e de morte queriam transmitir o pavor generalizado aos outros, dizendo-lhes o que lhes poderia acontecer, caso continuassem a ser simpáticos aos rebeldes. Junto com Ríos Montt, como ré, deveria estar a Agência Central de Inteligência (CIA), a transnacional do terror de Estado, que lhe havia recomendado a adoção da estratégia contrainsurgente de “feijão e bala”. Se por um lado fosse necessário ganhar as mentes e os corações dos povos originários com a doação de alimentos, por outro se poderia utilizar um método mais econômico e mais eficaz, matando-os para poder vencer os “terroristas”. Infelizmente, a Suprema Corte da Guatemala anulou o processo contra o sanguinário matador e ele é, hoje, um tranquilo pastor evangélico.

O território guatemalteco se tornara, durante o período de Ríos Montt, uma cova aberta esperando cadáveres mutilados e um mar de lágrimas pedindo socorro, tamanho o número de mortos que, ainda hoje, assusta o mundo. Essa ditadura, afirma Edelberto Torres Rivas, “em 14 meses assassinou entre 80.000 e 100.000 civis indígenas”.

Ao visitar o povoado de Santiago, às margens do lago de Atitlán, percebi nas pessoas o medo, ao serem perguntadas sobre os duros anos de terror, já que nessa localidade, além do sacerdote, houve um massacre de um grupo de pessoas, entre elas, uma criança de cinco anos. A placa de bronze na igreja e o Parque da Paz lembram a tragédia e homenageiam os mortos. O próprio barqueiro que me conduziu de Santa Catarina Palopó a Santiago de Atitlán – com 50 anos de idade e de nome também Santiago – narrava que em uma viagem de ônibus à Guatemala capital, acompanhando seu pai no trabalho de vender cebolas, ao passar por um trecho da rodovia viu cerca de quarenta corpos mutilados. Preocupado com a cena dantesca, seu progenitor ordenara-lhe que não olhasse, mas, tendo ele doze anos de idade, não apenas cravou os olhos como gravou na sua memória, através da janela do velho veículo, o massacre à beira do caminho, que na época servia de advertência aos passantes.

O taxista da capital contava que quando a noite caía e os “Kaibiles”, corpo de elite do exército guatemalteco, chegavam a determinado lugar, todos fugiam desesperados, pois sabiam claramente que os buscados, se encontrados, jamais seriam vistos com vida. Essas forças especiais, verdadeiras máquinas de assassinar pessoas, dispunham de um treinamento horrível e escabroso, que consistia, entre outros métodos, o de matar o seu animal de estimação com sua própria arma. Só assim, despojados de suas características humanas, estariam preparados para o duro embate contra os indígenas. Posteriormente, a Escola Kaibil do exército, situada na região de El Petén, se tornou a fornecedora de corpos de segurança para os cartéis mexicanos da droga.

Tolstói, quando perguntado se havia visto com seus próprios olhos as barbaridades que descreve em “Guerra e Paz”, responde que sim, que é preciso ver, que não se pode pôr vendas diante do horror e tampouco dar-lhe as costas, por mais pavoroso que ele nos pareça.”

A juíza Iris Yassmin Barrios Aguilar estará na UFSC a partir de uma parceria entre a Editora, a Reitoria e o IELA.

Em breve!

 

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