Por Cuba – Casa das Américas (E 08)
Texto: Davi Antunes da Luz
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Tempo de cobrar e lutar. Não de pedir e agradecer. Luta quilombola do território Kalunga. 24.04.2015 – As denúncias, prisões e processos contra acusados de exploração sexual de meninas e adolescentes quilombolas que trabalhavam como domésticas em casas da elite e da classe média de Cavalcante deram visibilidade aos problemas locais. Entre eles, o da falta de escolas no quilombo, que obriga a juventude a migrar para as cidades próximas para estudar. O momento é oportuno para uma guinada na relação entre quilombolas e governos. Cientes de sua força como movimento social, de tradição secular, os quilombolas podem agora negar definitivamente a política de favores. Contra o olhar filantrópico que disfarça a desfaçatez e crueldade da dinâmica de manutenção de poder do grupo dominante de Cavalcante e arredores, a organização dos quilombolas, por meio de suas diversas associações, emerge agora com a possibilidade de instituir e cobrar pautas históricas por meio da luta política. Para além do tempo mercantil e efêmero da notícia exibida pela imprensa empresarial, o desafio é potencializar a visibilidade inusitada para o foco das pautas centrais do quilombo. Isso implica num saldo organizativo das comunidades Kalunga, que pode resultar em conquistas efetivas, como as escolas de ensino médio e técnico no quilombo. Recusando o estereótipo de vítimas passivas da exploração sexual e da força de trabalho, os quilombolas inverteram a ordem das coisas ao exigir de todos os órgãos públicos federais, estaduais e municipais que compareçam em uma reunião, marcada para o dia 25 de abril, na comunidade Vão de Almas, para informar qual será a atitude reparatória de cada instituição diante dos danos históricos seculares ao povo quilombola. Deslocados da confortável posição de quem recebe as demandas e decide quando, como e se devem saná-las, os agentes e as instituições do Estado estão agora diante de uma força organizada que lhes cobrará a responsabilidade pela secular omissão do Estado e serão levados a tomar medidas concretas e exemplares para enfrentar as históricas desigualdades que o sistema escravocrata nos legou. Contradições do território e força organizativa dos Kalunga Desde o momento em que a Licenciatura em Educação do Campo da UnB passou a atuar de forma sistemática no território Kalunga, mediante o exponencial crescimento da presença de estudantes quilombolas no curso, nos deparamos, como professores, na atuação em Tempo Comunidade, com um universo peculiar, repleto de contradições, muito diversas daquelas inerentes à luta pela reforma agrária. O território, oficialmente demarcado, de 254 mil hectares, é considerado o maior quilombo do Brasil e do mundo. É uma região rica em bens naturais, repleta de tradições culturais e produtivas singulares e que demonstram o potencial simbólico e material da relação de comunidades camponesas com o Cerrado.A despeito disso, o poder político eleitoral permanece em mãos da tradicional elite oligárquica rural branca. A permanência de desigualdades brutais no sistema de divisão de renda, na infraestrutura da cidade e do quilombo, na estrutura escolar precária e insuficiente, explica o fato de Cavalcante ter um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do país. Essa desigualdade historicamente construída se aprofunda a medida que os projetos do capital para a região vão se tornando mais claros. O desmatamento e os garimpos ilegais sistematicamente violentam a população Kalunga e seu território, mas conflitos de maior magnitude se avizinham: o assédio de grandes empresas mineradoras, a implementação de um complexo de sete hidrelétricas e o fortalecimento do agronegócio. É nesse chão histórico que resistem os quilombolas remanescentes daqueles que fugiram do sistema escravocrata, para os destinos longínquos dos vãos de morros, onde hoje se localizam as quase sessenta comunidades que integram o enorme quilombo dos Kalunga. O Estado, cúmplice e agente indutor da escravidão e da perpetuação do racismo e do latifúndio após a abolição, permanece penalizando as comunidades com a ausência de infraestrutura de transporte, de escolas adequadas, de nível fundamental, técnico e médio, e de estrutura de saúde, comunicação e produção agrícola condizentes com as necessidades locais. Prevalece em muitas instituições públicas, por meio dos servidores e dos dirigentes, a compreensão de que a relação com os quilombolas é de caráter assistencialista. O sentido de dever é transmutado pela lógica do favor, sempre arbitrária, desigual, e conivente com os privilégios dos que detém poder. A cultura política imposta à séculos entre Estado e quilombo pressupõe o silenciamento e a subserviência diante das grotescas desigualdades. Entretanto, os quilombolas têm tomado muitas providências para superar essa forma de relação com o Estado e a população branca, dentre elas o competente trabalho de propaganda que fazem para maximizar a entrada nos cursos universitários e técnicos, buscando velozmente compensar a defasagem de escolaridade da população Kalunga. Esse esforço possibilitou o surgimento de uma forma organizativa própria, pensada e coordenada pelos estudantes da Educação do Campo quilombolas e das comunidades rurais próximas e professores das escolas do campo da região. A Epotecampo é demonstração inequívoca do potencial de construção do poder popular destas comunidades, reconstruindo a relação delas para com o Estado, não mais como beneficiárias de ações clientelistas, mas como sujeitos de sua própria históriaO acumulo de experiência adquirido pela ação da luta vai progressivamente desmontando os mecanismos ideológicos, retóricos, jurídicos, repressivos e imagéticos da dominação. O gesto subalterno de quem pede algo, como se o direito fosse um privilégio, vai dando lugar à ação de cobrança e de luta organizada. Professores da Licenciatura em Educação do Campo e do curso de especialização em Residência Agrária da UnB, Luiz Henrique Gomes de Moura e Rafael Litvin Villas Bôas, pesquisadores do grupo Modos de Produção e Antagonismos Sociais.
Texto: Davi Antunes da Luz
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