Equador em colapso não consegue enterrar seus mortos
9 de Abril de 2020, por Duda Hamilton

No país com mais contaminados na América Latina, o Ministério da Saúde sofre com falta de recursos após um reajuste orçamentário que optou por priorizar a dívida externa. A Dfato falou com especialista em economia e jornalistas locais para contar o drama enfrentado pela população.
Texto de Duda Hamilton e Malena Wilbert.
Durante a pandemia do coronavírus as manchetes sobre o Equador denunciam uma situação de catástrofe: os sistemas de saúde e funerário estão em colapso, não existem mais vagas em necrotérios e cemitérios e é comum ver alguns corpos pelo chão. Outro problema é o número, a cada dia maior, de profissionais de saúde infectados por falta de equipamentos de proteção individual (EPIs). A cidade mais afetada é Guayaquil, que apresenta a maior taxa de mortalidade pela COVID-19 no país e na América Latina. Até as 18 horas de 8 de abril o país, com 16,4 milhões de habitantes, registrava 4.450 casos confirmados e 242 óbitos. Destas mortes, 67,6% ocorreram na província de Guaya, onde está localizada a cidade de Guayaquil – centro econômico do país.
Com falta de leitos nos hospitais e funerárias deixando de funcionar, os familiares das vítimas da COVID-19, assim como de outras doenças, se veem obrigados a deixar os corpos nas ruas à espera de que uma força-tarefa do Exército os recolha. O elevado número de mortes é reflexo da crise econômica iniciada em 2014, que resultou na opção política de cortar investimentos em saúde e privilegiar o pagamento da dívida externa. No dia 24 de março, o governo de Lenín Moreno (Alianza País) direcionou US$ 325 milhões para o pagamento de títulos. Isso ocorreu três dias após a então ministra da saúde, Catalina Andramuño, renunciar alegando falta de recursos para enfrentar a pandemia.
Em entrevista à Dfato Comunicação, o professor de Ciências Econômicas da Universidade Central de Equador, Manuel Salgado Tamayo, ressalta a insatisfação do povo equatoriano. “Esse pagamento provocou críticas da população, pois quando foi realizado já começavam a aparecer os primeiro infectados”, explica Tamayo, que vive em Quito.
Medidas de contenção e auxílio à população
Na noite de terça-feira, dia 7 de abril, a prefeita de Guayaquil, Cynthia Viteri, anunciou a criação de mais dois cemitérios na cidade, com o diferencial de serem gratuitos. Desde 17 de março os equatorianos estão proibidos de circular pelas ruas. Nesse dia foram suspensas as aulas e toda a atividade comercial que concentre mais de 30 funcionários. As exceções são farmácias, bancos, equipes de telecomunicações e mercados. O governo reconhece que a economia será seriamente afetada, mas promete garantir o emprego e as atividades produtivas do país. Dados do Instituto Nacional de Estatística e Censo (Inec) mostram que, atualmente, 46% de trabalhadores equatorianos atuam na informalidade. Como auxílio durante a crise, o Estado está pagando um bônus de 60 dólares por mês, durante dois meses. O salário mínimo no Equador é de 400 dólares.
O sistema de saúde do Equador é misto, sendo 60% público e 40% privado. Com a falta de recursos, o atendimento está comprometido não só para os portadores da Covid-19, como para toda a população. “As pessoas não querem ir aos hospitais porque não são atendidas, não têm cama nem enfermeiros”, conta o repórter Carlos Julio Gurumendi, da RTS Guayaquil. “Muitos médicos e profissionais da saúde estão morrendo.” A pedido da Dfato, Gurumendi descreveu como está sendo sua rotina de trabalhar no epicentro da Covid no Equador, longe da mulher e dos filhos. (leia o depoimento a seguir).
Carlos Julio Gurumendi, repórter da RTS Guayaquil
“A situação do país é crítica. Estou em Guayaquil, onde se encontra a maior parte dos contagiados pelo coronavírus. As cifras divulgadas pelo governo no dia 7 de abril já registram 191 mortos e existem muitos mais. O sistema funerário está em colapso e não temos onde colocar os cadáveres. O colapso das funerárias é uma realidade. Faltam caixões, e pessoas para trabalhar enterrando os corpos, vítimas de Covid-19 ou por outras doenças.

Acordo diariamente às 5h30 para fazer as transmissões ao vivo pelo Canal. Estou isolado da minha família há 15 dias, trabalhando e vivendo em habitações cedidas para os jornalistas. Decidi trabalhar longe para não contagiá-los, caso eu venha a pegar o vírus. As saídas são diárias e vou bem protegido, com luvas, máscaras, soro e álcool gel. O canal [RTS Guayaquil] nos fornece um médico à disposição, mas não sabemos em que momento podemos nos contagiar. O toque de recolher é das 2h da tarde às 5h da manhã, nesse período ninguém pode sair. Temos restrição veicular, mas pode-se circular uma vez por semana dependendo do último número da placa do veículo. No próximo final de semana [ dias 11 e 12 de abril] ninguém poderá sair de casa”.
Esse texto faz parte de uma série de matérias sobre como alguns dos países da América do Sul estão enfrentando a pandemia da COVID-19. Quais as medidas sociais e econômicas já tomadas, como evolui o vírus nos países – número de casos confirmados e mortes -, a situação no setor de saúde e os problemas a serem enfrentados nos próximos dias. As fontes são jornalistas de cada país, autoridades e dados oficiais dos governos.
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