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Governo de Lasso sem soluções: tensão social se amplia no Equador

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Por IELA em 24 de junho de 2022

Governo de Lasso sem soluções: tensão social se amplia no Equador

Foto publicada no Twitter de RT en Español

Apesar de alguns avanços das últimas décadas durante o período de Rafael Corrêa e sua Revolução Cidadã, as mudanças no Equador estiveram sempre na superfície política, com isso alguns elementos explosivos foram se acumulando. Isto é facilmente percebido quando olhamos a quantidade de manifestações realizadas no país andino desde 2015, além dos massivos protestos realizados em outubro de 2019 que pararam o país ainda no governo de Lenín Moreno. 
Em 2021 a vitória de Guillermo Lasso [1]  pertencente ao CREO (Movimiento Creando Oportunidades), marcou o aprofundamento da crise equatoriana e a continuidade de um conservadorismo iniciado com Lenin Moreno. O processo eleitoral conturbado e a grande quantidade de votos nulos (o número mais alto desde as eleições presidenciais de 1978) acabaram por ser decisivos para a vitória do banqueiro. 
Naquele momento, a Confederação das Nacionalidades Indígenas (CONAIE), descontente com ambos os candidatos, manifestou coletivamente seu “voto nulo ideológico” (Nem Lasso, Nem Nebot, Nem Corrêa) agindo em coerência com a histórica luta desta organização e entendendo a necessidade de transcender uma disputa eleitoral. O “voto nulo ideológico” foi muito criticado por setores à esquerda, isto porque os votos das comunidades indígenas representam entre 7% e 10% do censo nacional e poderia ter feito a diferença para a vitória de Andrés Arauz (candidato do correísmo). 
Assim, Guillermo Lasso, conservador e dono do banco Guayaquil venceu as eleições e na sequência teve seu nome relacionado nos documentos do Pandora Papers [2], investigação que revelou que Guillermo Lasso possuía 14 empresas offshore, no Panamá e nos Estados Unidos, das quais 11 estariam inativas. Como a legislação equatoriana proíbe que candidatos ou servidores públicos sejam donos de propriedade em paraísos fiscais, foi aberta uma investigação contra Lasso, arquivada em dezembro de 2021. 
Guillermo Lasso e a crise de governabilidade  Durante seu primeiro ano de mandato e com uma minoria de assentos na Assembleia Nacional (13 das 137 cadeiras, além das 19 cadeiras da principal sigla aliada, o Partido Social Cristão), o banqueiro Guillermo Lasso ensaiou um acordo político [3] com seus rivais, o líder do Partido Social Cristão (PSC) Jaime Nebot e Rafael Correa, que foi presidente do Equador (2006-2017), e que neste momento reside na Bélgica. Contudo, devido ao rechaço dos apoiadores de Lasso a este acordo, o atual presidente acabou recuando e tentou construir pontes com o partido Pachakutik através da deputada e presidente da Assembleia Nacional, Guadalupe Llori. O presidente aproximou-se também da Esquerda Democrática (ID) e dos Independentes, porém, estas mediações foram insuficientes para levar a cabo as reformas propostas pelo banqueiro. 
Sem possibilidade de manobra, o presidente enviou ao parlamento o seu projeto de reformas que incluía a reforma Lei da Reforma Tributária, parte de um acordo renegociado por Lasso, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que acabou sendo aprovada com os votos do correismo. Por sua vez, a Lei de Investimentos que pretendia impulsionar parcerias público-privadas (PPPs), foi rejeitada pela Assembleia Nacional do Equador. Sem a maioria, Lasso se vê com dificuldades para implementar suas reformas fiscais e seus planos de privatização do Banco del Pacífico e da Refinaria de Esmeraldas. 
A situação de Lasso foi agravada em março deste ano, quando sua Ministra do Governo, Alexandra Vela, renunciou ao cargo por ser a favor da Morte Cruzada, que é a cessação das funções da Assembleia por obstrução ao Executivo, como a única saída para que as reformas pudessem ser aprovadas. Em carta ao presidente Lasso, Alexandra Vela afirmou:
“(…) bastou algumas semanas para verificar que uma instituição fundamental como a Assembleia Nacional, sede do primeiro poder de um Estado democrático, era paradoxalmente a principal ameaça à democracia, ao regime republicano e ao seu governo (…) “em várias reuniões tenho defendido obstinadamente que, para o bem do seu governo, as reformas de que a economia necessita e a permanência da democracia são melhores do que a ‘morte cruzada’. É sem dúvida um caminho arriscado, mas ao mesmo tempo inescapável se você quiser realizar as profundas transformações que o Equador exige [4] “.
Sem condições políticas na Assembleia Nacional, nos primeiros meses de 2022 em uma entrevista concedida na sede do governo, Guillermo Lasso afirmou que pretendia levar a cabo uma consulta popular de modo a pedir a opinião da população sobre o projeto de Lei de Investimentos (Ley de Inversiones) que não avançou no legislativo. Sem revelar totalmente o conteúdo do referendo, Lasso afirmou que pretendia mostrar aos cidadãos a necessidade de implementar reformas fundamentais.  
Apesar da legislação equatoriana permitir que reformas constitucionais sejam feitas por meio de consultas populares, a consulta poderia se tornar um referendo de popularidade sobre o governo de Lasso, que não tem apoio popular significativo. 
Em meio a este panorama, o país viveu ainda uma onda de massacres em prisões iniciada em 2021 quando 316 prisioneiros [5]  morreram em meio aos distúrbios, em maio de 2022 ao menos 43 presos morreram. Em 2021, Guillermo Lasso chegou a decretar Estado de Exceção (que permite ao Poder Executivo suspender direitos e usar a força pública para restabelecer a normalidade).
Diante da impossibilidade de governar e sem querer render-se à Assembleia Nacional, Guillermo Lasso agora enfrenta uma forte greve nacional que já dura dez dias. 
A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador [6](CONAIE), vem desde 2021 tentando estabelecer diálogo através de propostas enviadas ao governo. Mediante o não atendimento das propostas e do recrudescimento da crise social e econômica, em junho de 2022 liderados por Leonidas Salazar, a CONAIE, Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin) e o Conselho de Povos e Organizações Indígenas Evangélicas do Equador (Feine) convocaram uma paralisação nacional (paro nacional) com dez pontos de exigências ao governo de Guillermo Lasso. Entre as exigências estão a suspensão do aumento nos preços dos combustíveis, regulação dos preços para produtos agrícolas, empregos e respeito aos direitos trabalhistas, além da revogação dos decretos 95 e 151 que promovem o aumento da exploração petrolífera e da mineração. 
Na madrugada do dia 14 de junho, Leonidas Iza foi preso sob a acusação de supostos delitos de rebelião e paralisação do serviço público. O presidente da CONAIE foi solto após passar 24 horas detido, a juíza Paula Bedón determinou que a detenção foi ilegal por não apresentar acusações prévias, nem mandado de prisão. 
A paralisação nacional já dura dez dias e o nível de violência está a escalar, contabilizando mortes de manifestantes, entre eles, Byron Guatatoca, morto após ser atingido por uma bomba de gás lacrimogénio atirada pela polícia. Além de centenas de feridos e detidos. 
Há alguns dias atrás, Guillermo Lasso, disse estar aberto ao diálogo, por outro lado, assumiu uma postura bastante hostil em relação às manifestações e ampliou o “Estado de Exceção” de três para seis províncias na segunda-feira (dia 20).  
A CONAIE por sua vez, assegura a manutenção da greve de maneira indefinida, além disto, como é historicamente conhecido, muitas comunidades indígenas do interior do país, marcharam até Quito e foram acolhidas e abrigadas em algumas Universidades [7] . A Universidade Central do Equador, por exemplo, se colocou à disposição para dar assistência humanitária e mediar o diálogo entre os manifestantes e o governo. Este corajoso acolhimento por parte das universidades equatorianas, me lembrou a Universidade Necessária, tão debatida por Darcy Ribeiro na construção de uma consciência nacional em sintonia com uma sociedade verdadeiramente democrática. 
Neste momento, a paralisação nacional já transbordou a plataforma de dez pontos propostos pela CONAIE, isto porque o colapso econômico e político existentes no país se sobrepõem às exigências realizadas pelo movimento indígena. Assim, outros setores sociais (como a FUT – Frente Unitária de Trabalhadores) aderiram à mobilização porque entendem que a situação é incontornável. 
Para além do diálogo imediato e da revogação do Estado de Exceção que militarizou as ruas, a única solução possível parece ser uma mudança de modelo econômico, que acredito que Guillermo Lasso não tem a intenção de levar a cabo. Mediante a iminência do fracasso político de Lasso, pela via institucional restará ao parlamento aplicar a figura da “Morte Cruzada” integrada a Constituição em 2008, que prevê destituir o parlamento e convocar eleições, governando por decreto até que as novas eleições ocorram. 
Notas
[1]Disponível em https/www.correiocidadania.com.br/72-artigos/imagens-rolantes/14642-o-retorno-do-conservadorismo-equador-nos-mostrara-como-aprofundar-as-conquistas-sociais-sem-perder-a-critica
[2] Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ-sigla em inglês) que investigou milhões de documentos em paraísos fiscais em todo o mundo.
Disponível em https/valor.globo.com/mundo/noticia/2021/10/21/procuradoria-investigara-presidente-do-equador-por-fraude-tributaria-apos-pandora-papers.ghtml
[3] Disponível em https/www.pichinchacomunicaciones.com.ec/guillermo-lasso-pidio-el-acuerdo-se-lo-propuso-a-correa-y-luego-lo-incumplio-revela-jaime-nebot/
[4] Disponível em https/www.france24.com/es/minuto-a-minuto/20220330-la-ministra-del-interior-de-ecuador-renuncia-por-su-desacuerdo-con-la-pol%C3%ADtica-de-lasso
[5] Disponível em https/agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2022-05/motim-em-prisao-no-equador-deixa-ao-menos-43-mortos
[6] Disponível em https/www.pichinchacomunicaciones.com.ec/presidente-lasso-invito-a-la-conaie-a-dialogar-este-viernes-en-palacio-de-carondelet/
[7] Disponível em https/www.elcomercio.com/actualidad/universidad-central-salesiana-acogen-manifestantes-quito.html
 

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