Programa Pensamento Crítico – A questão da Nação ( E156)
Texto: IELA
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Nilso Ouriques é estudioso do futebol e tem um programa chamado Cabaré da Bola, disponível no Spotfy
A começar, meu caro Nilso Ouriques, pela pergunta que lhe faço e que já fiz a mim mesmo inúmeras vezes, embora esta deva ser reformulada na maré alta da acumulação rentista do capital. Ei-la: o que Marx e Engels achariam do futebol como fenômeno político de massa?
Atenção: não me venha com a questão subjetiva que é um subterfúgio do like it e dislike it concernente aos intelectuais que curtem futebol como Píer Paolo Pasolini ou nosso José Lins do Rego que caia na porrada em defesa do Flamengo no Maracanã, ou a sutileza de Paulo Mendes Campos tomando trago em louvor ao seu Botafogo.
Estou sabendo que é antipático ao homem brasileiro ouvir a crítica do futebol como a formulada por Lima Barreto, o escritor proletário do Rio de Janeiro no dizer do historiador Nelson Werneck Sodré. A crítica materialista ao popular é identificada à gente caturra, metida, esnobe, elitista, negando a beleza do futebol; afinal, a estética homo ludens está além da questão ética, porquanto se é bonito esse balé do povo, então carece de sentido e de lógica questioná-lo: o futebol é revolucionário ou contrarrevolucionário? Nem uma coisa nem outra, o que é um jeito tergiversador e irracionalista de afirmar o senso comum: futebol e religião não se discutem.
Na crítica implacável ao existente, o futebol surge como a ideologia pop dominante junto com a dança, a canção, o modo de se vestir, de falar ao celular, de tatuar o corpo, de praticar o estupro e de escolher os candidatos para votar.
A mais-valia futebolística – usando a expressão do poeta Ludovico Silva – dissipa a falsa distinção, principalmente no capitalismo globalizado, entre o que se passa dentro e fora do campo. A televisão que filma a torcida e o jogo é indissociável do próprio jogo como valor de uso e valor de troca da moeda. Eu não preciso ir ao Maracanã como lá ia todo domingo Nelson Rodrigues. A tela apresenta-se gratuita, generosa e democrática. A tela mostra o gol do meu time, então que se foda se a TV é uma máfia do capital que tortura o pobre e vende o país. Com a mais-valia do espetáculo o torcedor não a vê e não a ouve.
A televisão dá força para o futebol e vice-versa e, nesse aspecto, pouco importa se um jogador como Maradona é admirador de Fidel Castro, o que corresponde a Neymar Júnior Bolsonaro dentro e fora do estádio. É o boné deste que conquista e seduz a garotada da favela que quer sair da bosta econômica. O fetichismo do boné revela o craque.
É possível que o melhor uso da câmera se faça na filmagem do jogo de futebol, e não com a telenovela e com no horário eleitoral gratuito; todavia a câmera da televisão não é inocente quando hegemoniza a loiraça grã-fina na torcida, e não a mulher negra ou morena.
O campo de futebol com os seus jogadores é cabecita negra, mas a câmera é caucásica. O racismo é produzido, não dentro do vestuário, e sim com a televisão filmando a Casa Grande e a Senzala.
O futebol é televisão, não cinema.
A ideologia do espetáculo não entra apenas pela fala boçal do locutor. Acrescente-se que mil passeatas feministas não neutralizam a mensagem machista do pênis atlético penetrando a rede do gol, a que se segue o beijo fellatio exibicionista na bola. O dinheiro é consagrado com o pobre coitado subindo de vida. Daí a pergunta incômoda para quem ama o futebol: quem é o sujeito que faz o gol? Não por acaso Karl Marx odiava a loteria que é o berço popular do fascismo. O cineasta marxista Guy Debord matou a charada em seu livro A Sociedade do Espetáculo: no valor como espetáculo está a essência do capital rentista.
Em 1989 a televisão derrotou Leonel Brizola. A televisão mata o partido político, o socialismo desaparece do horizonte histórico. Pier Paolo Pasolini adorava futebol, inclusive era bom de bola, todavia o futebol dele era a pelada, antes de vir a ser o futebol televisionado pelo capital fóssil. Os jovens desempregados divertem-se com os programas de TV, os quais ensejam o sentimento de inferioridade nos pobres. O futebol televisionado é mais TV do que jogo propriamente dito. A criminalidade na Itália só poderia ser abolida com o desaparecimento da televisão, se esta fosse abolida como “aparelho fascista”.
Nada que é humano é estranho à política, segundo a bela paráfrase de Trotsky. O futebol expressa na consciência alienada dos torcedores a necessidade do dinheiro produzido pela economia política. A publicidade divulgada em forma do preço do passe do jogador não é senão o gol pornográfico na tela, ou melhor, a tela espetáculo rentista. Enfim, meu caro Nilso Ouriques, terminamos por onde começamos: Marx e Engels iriam dizer o quê do futebol como fenômeno de massa?
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A crítica ao futebol e ao sistema econômico que gere o esporte é feita por Nilso Ouriques no programa Cabaré da Bola levado ao ar na Rádio Campeche. Também pode ser escutado no Spotfy
Texto: Rafael Cuevas Molina
Texto: IELA
Texto: IELA
Texto: IELA