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Pensamento cativo é incapaz de ver o novo

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Por IELA em 29 de dezembro de 2004

Pensamento cativo é incapaz de ver o novo
29/12/2004 – Não é novidade para ninguém que o mundo acadêmico custa a absorver idéias novas, originais. Na América Latina, a prática de 300 anos de colonialismo e eurocentrismo nas universidades torna tudo muito mais difícil. Na ideologia dominante toda a originalidade está sob suspeita. Talvez, por isso, seja tão complicado para os acadêmicos aceitarem o que está acontecendo na Venezuela. Quem faz essa provocação é o professor de Economia da UFSC, Nildo Ouriques, ao falar da utopia bolivariana levada a cabo pelos venezuelanos. “Todo aquele que viola a ordem dominante tem que provar que o sol não nasce todo dia. Por isso, o que vale é sempre a imitação, a reprodução do pensamento dominante. Isso torna a atividade do pensamento algo muito difícil na universidade. Vivemos no pensamento cativo”.
Nildo ressalta que existem exímios conhecedores de Marx, Hegel, Braudel, Habermas. Mas, são pessoas que em nada contribuem para a transformação do seu espaço. São cativos, não conseguem criar. “Nos anos 80 e 90 o eurocentrismo reforçou as suas estruturas. O horizonte político é a democracia representativa e a organização da economia é a única racionalidade possível. Qualquer coisa que fuja disso é considerado irracional e isso é devastador para o pensamento”. O professor lembra que, em função desse colonizalismo, as pessoas que pensam a América Latina acabam não conseguindo enxergar que aqui, na periferia, o capitalismo não realizou as suas instituições. E não o fez porque não foi feito para isso. O ponto de partida do capitalismo é a desigualdade. Assim, os “benefícios” do sistema, quando existem, ficam apenas no centro, as vítimas não os podem alcançar. Ao não perceberem isso, os cientistas sociais, os pensadores, se descolam da realidade.
Na visão do economista, hoje, na América Latina, a dependência econômica é mais aprofundada e a autonomia nacional praticamente não existe. Ainda assim, o peso de Washington sobre os países parece ser olimpicamente ignorado pelos cientistas sociais. E é em função desse pensamento cativo, dessa subserviência ao pensamento alheio que se faz um silêncio sobre a Venezuela. No Brasil, quando se fala no país de Chávez, no mais das vezes, é com uma conotação negativa. Isso é muito sintomático.
Para Nildo, falar sobre a Venezuela e as veredas que se abrem com a revolução bolivariana, implica em fazer uma profunda reflexão sobre a falsa dicotomia revolução x democracia. Por causa do pensamento cativo, as pessoas tendem a fazer distinção entre um conceito e outro, como se não fosse possível fazer a revolução e estabelecer a democracia. Como se uma coisa excluísse a outra “Mas, basta uma olhadinha na nossa história e vamos ver que os avanços democráticos que tivemos, em toda a América do Sul, sempre vieram depois das revoluções. Então, aqui, os dois conceitos caminham juntos”. Ele lembra que, na Venezuela, o frustrado golpe de 1992 foi o que iniciou o processo de revolução naquele país, porque essa era a única luta possível naquele contexto de partidos desacreditados e instituições falidas. “Os liberais não admitem isso, mas também não vêem que o regime liberal aumentou o número de pobres, ampliou o abismo entre as classes, criou uma economia exportadora que reduz o mercado interno e abaixa os salários.”
Então, quando aparece uma liderança que, nesse contexto de dependência e pobreza, se arvora em recuperar o nacionalismo, a autonomia – como é o caso de Chávez – é chamada de populista e outros tantos adjetivos depreciativos e desqualificantes. “No contexto em que vivemos hoje na América Latina, de completa dependência, o nacionalismo é positivo e vitalizante. A pergunta que deveríamos fazer é: por que desqualificam o nosso o nacionalismo enquanto o estadunidense é bom e bonito? Só vale para eles? Na Europa, o nacionalismo aparece como separatista, mas na América Latina não. Aqui se quer soberania. Os zapatistas querem o México todo, os índios equatorianos querem o Equador, querem o país inteiro. Isso é bom”.
Para o professor da UFSC, o processo bolivariano, de democracia participativa, abre espaço para reflexões muito importantes no âmbito de toda a América. Ou se recupera a soberania ou os governos do sul do equador viram meros entrepostos internacionais, com países sem produção, agentes comerciais das multinacionais. Na Venezuela, Chávez apostou no povo, deu poder ao povo, criou mecanismos de decisão, aprofundou a democracia direta e está ousando recuperar a soberania. O que isso vai gestar ainda é difícil dizer, mas não dá para fechar os olhos para essa novidade. “O cientista social, os pensadores latinos, perderam a noção de tempo e espaço. Estão cativos. Há que libertar o pensamento, ousar ver o novo, ousar ser original. Esse é, hoje, o desafio da academia”.

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