Os militares e a tentativa de golpe no Brasil
Texto: Elaine Tavares
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Terra Indigena Guarita
O massacre iniciado em 1500 ainda não terminou
Uma menina indígena, de 14 anos, da etnia Kaingang, de nome Daiane Griá Sales, foi encontrada morta, com o corpo dilacerado e alguns órgãos retirados, no interior do Rio Grande do Sul. Ela vivia na terra indígena de Guarita, em Redentora, noroeste gaúcho, uma área de 24 mil hectares que abriga mais de sete mil almas Kaingang e Guarani. O corpo foi achado numa lavoura, cheio de hematomas e estraçalhado da cintura para baixo. Uma cena de horror, certamente constituída pelo ódio. Não se sabe ainda o autor nem a motivação.
A notícia circulou na mídia burguesa como mais um crime, sem maiores alardes. Até aí, nenhuma novidade. Corpos indígenas caem todos os dias nos cantões do Brasil, assassinados pelos grileiros, madeireiros, mineradores, jagunços, latifundiários, sem provocar comoção. Ainda essa semana uma garota indígena foi atropelada por avião no meio da selva Amazônia, numa pista aberta pelo garimpo. Não ouvimos o Datena gritar na televisão contra essa barbárie que, além de ferir de morte a floresta, assassina os indígenas. Tudo parece normal no país de Bolsonaro.
Mesmo agora, esse crime hediondo contra uma adolescente Kaingang não ocupa manchetes. E nas mentes perversas dos que odeiam os indígenas a sentença já foi dada: alguma coisa ela fez. É o que normalmente acontece quando a vítima é uma mulher, e se é uma garota indígena, bem, aí é pior. Não dá para esquecer que desde que assumiu o mandato de presidente da República, o mandatário geral tem atacado os povos originários, considerando-os um atrapalho ao progresso. Assim que implicitamente autoriza a violência e o extermínio. Isso não é de hoje, mas está pior.
No extraordinário livro de Edilson Martins, “Nossos índios, nossos mortos”, que deveria ser obrigatório em todas as escolas do país, ele conta sobre os horrores que os invasores portugueses e, depois, os brasileiros, faziam com as populações indígenas. Na ocupação da Amazônia, quando do ciclo da extração da borracha, os seringueiros a mando dos ladrões das terras sequestravam as mulheres e crianças, obrigando os homens a trabalhar na extração da borracha. As hordas se moviam pela floresta destruindo as comunidades, eliminando o modo de vida indígena, prostituindo mulheres e dispersando os homens pelos vários campos de colheita. Os donos dos seringais incentivavam então as famosas “correrias”, que eram as expedições feitas para espantar ou exterminar os povos que viviam na floresta. O nome correria é bastante ilustrativo sobre como eram as expedições. Os homens chegavam armados até os dentes, e botavam os índios para correr. Quem ficava era passado na faca ou no tiro. Martins conta que muitas vezes acontecia de os homens jogarem as crianças para o alto, aparando com a ponta do facão. Era um massacre. E tudo era feito entre risos.
Na região do sertão brasileiro o foco era mesmo: a posse da terra. A intenção dos invasores era a expulsão dos indígenas para que pudesse vingar a criação de gado. Poucas comunidades conseguiram sobreviver aos massacres. Aonde chegavam os brasileiros, os indígenas eram escorraçados. Aonde havia missionários, as crianças eram tiradas das famílias e criadas como se fossem brancas, para deixar de serem índias e se integrarem à sociedade. Na avançada pelo interior do país, com as bandeiras, a tática era igualmente cruel: envenenavam a água e deixavam coisas contaminadas com varíola. Milhares de indígenas morreram nessas investidas desumanas. E quando chegaram os imigrantes, começou a caçada aos chamados bugres, que era como eles nominavam aqueles que eram os verdadeiros donos das terras. Assassinar índios era quase um esporte.
Esse processo seguiu até o século XX quando as etnias sobreviventes foram sendo concentradas em “reservas” e a nação as observava como uma reminiscência folclórica. Permitia-se que vivessem, mas sem atrapalhar o progresso. O quadro só começou a mudar quando os povos originários iniciaram o seu levante, exigindo a retomada de seus territórios originais e seus direitos de autonomia. Aí viraram inimigos dos fazendeiros, madeireiros e mineradores. A mídia fez seu trabalho e eles passaram a ser também inimigos da população. O ódio ao indígena e o racismo explícito não é isolado. Ele perpassa a nação.
Assim como os corpos negros que são alvejados todos os dias nas grandes cidades, jovens e crianças, sem causar maior comoção, a morte de indígenas tem o mesmo peso. Ou seja: nenhum. Hoje como antes. Fosse uma menina branca, filha de algum fazendeiro, que tivesse sido encontrada morta nas condições de Daiane, o caso teria virado um tema nacional e se espraiado pelo mundo todo. Velas seriam acesas nos lares, haveria lágrimas de horror e ninguém descansaria enquanto o assassino não fosse pego. Tem sido assim desde sempre. Isso é o racismo estrutural. Está entranhado e é reforçado a cada segundo pela indústria cultural.
O assassinato de Daiane não é só mais um crime. Ele tem essa marca, cor e classe.
Davi Kopenawa Yanomami, já apontou: “Vocês, brancos, dizem que nós, Yanomami, não queremos o desenvolvimento. Falam isso porque não queremos a mineração em nossas terras, mas vocês não estão entendendo o que estamos dizendo. Nós não somos contra o desenvolvimento: nós somos contra apenas o desenvolvimento que vocês, brancos, querem empurrar para cima de nós (…). Para nós desenvolvimento é ter nossa terra com saúde, permitindo que nossos filhos vivam de forma saudável num lugar cheio de vida”.
Esse sonho de Davi ainda é sonho e, no Brasil atual, está cada dia mais distante.
Texto: Elaine Tavares
Texto: Elaine Tavares
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Texto: IELA