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Indígena Digital pelo Brasil afora

O projeto de extensão Indígena Digital, coordenado pela professora Beatriz Paiva, avançou em 2015 para várias regiões brasileiras, buscando alcançar um número bem maior de comunidades indígenas no processo de capacitação de jovens e adultos no uso das novas tecnologias com foco no audiovisual. Esse trabalho, que começou em 2011, focado na aldeia Itaty, do povo Guarani, no Morro dos Cavalos, expandiu-se nos anos seguintes para mais cinco aldeias Guarani no estado de Santa Catarina e, em 2015, assumiu o caráter nacional, com a realização de oficinas em Brasília, Manaus (Amazonas) e Joaquim Gomes (Alagoas). Agora, esse ano, as oficinas devem acontecer ainda em Curitiba (Paraná) e Mato Grosso do Sul.

O projeto, que se estende pelas cinco regiões do Brasil se realiza com a parceria da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) que é quem faz o contato com as lideranças indígenas e organiza o grupo que será capacitado. Toda a proposta é discutida pelas comunidades e se faz de baixo para cima, respeitando os desejos e as demandas dos povos de cada região.

A primeira oficina do ano foi realizada no Distrito Federal na tentativa de juntar as mais variadas etnias, com a participação de estudantes indígenas que fazem graduação e pós-graduação na Universidade Nacional de Brasília (UNB). Dessa etapa, que durou 10 dias, participaram 10 pessoas das etnias Baré, Baniwa, Xucuru, Ticuna, Paratapuia e Maia Popiti. As atividades se realizaram na sede da Funai e também na sede da APIB e contaram com aulas de introdução à fotografia, linguagem audiovisual e técnicas de roteiros, ministradas por Rubens Lopes e Cris Mariotto.

Durante a oficina, os estudantes indígenas não só receberam os fundamentos da técnica como puderam colocar em prática toda a capacitação acompanhando sessões no Congresso Nacional que tratavam do debate da PEC 215, o projeto de emenda constitucional que quer jogar para os deputados a decisão sobre as demarcações. Os indígenas puderam acompanhar a entrega de um documento ao representante da ONU, realizar entrevistas com autoridades e lideranças indígenas, bem como registrar a denúncia do pesquisador Marcelo Zelic, sobre os casos de mortes e torturas de indígenas durante a ditadura militar. “A atividade em Brasília foi muito produtiva porque ali acontecem as coisas, os grandes debates, a luta contra a PEC. Então, a gente pode observar os indígenas ocupando todos os espaços, mostrando sua organização. Foi muito bom”, diz Rubens Lopes, responsável pela capacitação em foto e vídeo.

Outro elemento importante observado pelos oficineiros foi a falta de estrutura que a UNB tem no que diz respeito ao acolhimento aos estudantes indígenas. “A gente vê que a estrutura é pífia, que o racismo e o preconceito estão muito presentes”, diz Cris Mariotto. Apesar de os estudantes já terem garantido um espaço de manifestação cultural, a chamada “Maloca”, que é a recriação de um espaço de vivência típico das comunidades autóctones, a discriminação pode ser sentida no dia a dia. Tudo é sempre garantido na luta renhida. Falta muita sensibilidade aos dirigentes universitários na relação com os indígenas.

A segunda etapa de formação aconteceu na região amazônica, na sede da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), e reuniu 13 pessoas representando nove diferentes povos da região. Diferentemente do trabalho realizado no Distrito Federal, em área urbana e universitária, vivenciar a vida na floresta permitiu aos oficineiros agregar novos conhecimentos e experiências ao próprio trabalho. A começar pelo acesso às oficinas. Como tudo é distante os indígenas precisavam se deslocar à pé, de barco e até de avião. Por ali o tempo também é outro, vibrando no ritmo da floresta. Esvaem-se as lógicas citadinas e é preciso aprender o ritmo das comunidades.

A maior parte do trabalho de capacitação foi feita na sede da COIAB, em Manaus, mas, para colocar em prática o aprendizado o grupo viajou para a aldeia Tururukari Uka, no município de Manacapuru, bem no coração da floresta. Ali, foi possível registrar um modo de vida bem diferente das etnias do sul do país. A comunidade vivencia e cuida da floresta, os caminhos são trilhas na mata, o rio é espaço de bênçãos e a comida é farta, já que o peixe é abundante. “A gente vê que ali eles ainda podem viver do modo tradicional, sem a pressão da cidade. As moradias seguem a tradição, eles cuidam do rio, das plantas e das crianças, e por estarem longe da cidade grande ainda podem viver em harmonia com a natureza”, diz Rubens.

Ainda assim, a vida não é idílica. Há muito trabalho a fazer visto que as políticas públicas passam bem longe das aldeias. Por conta disso, os indígenas precisam encontrar formas de garantir a subsistência. Uma delas é a criação de abelhas com a qual conseguem garantir algumas comodidades da vida moderna. Toda essa organização foi registrada pelo grupo, que fez entrevistas, imagens e fotos. “Esse grupo de Manaus foi muito bom de trabalhar porque eles estavam mergulhados na atividade. E também foi interessante observar o diálogo que se criou entre as etnias”.

O trabalho de oficinas em Alagoas foi realizado na parceria com a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES (APOINME). Dessa vez o mergulho na cultura indígena foi ainda mais forte, pois toda capacitação – 10 dias seguidos – se deu na aldeia Wassu Cocal, localizada no município de Joaquim Gomes, a 100 quilômetros de Maceió. Nessa etapa também houve um diferencial que foi a participação maciça dos mais jovens.

 O território dos Wassu também é carregado de história já que foi conquistado ainda na época do Brasil império. Foi um acordo feito com D. Pedro II que se comprometeu regularizar a terra por conta da participação dos indígenas na Guerra do Paraguai. Os jovens da aldeia engrossaram o exército brasileiro e por isso a comunidade garantiu a posse do território. Hoje eles ocupam 20 mil hectares, mas na documentação está registrado que são 51 mil hectares. Assim, os Wassu Cocal ainda lutam para ver reconhecido todo o seu território.

E, ao contrário da aldeia no meio da floresta, a comunidade alagoana vive com muita dificuldade. Apesar de muita terra, as condições para plantar são mínimas e os jovens muitas vezes precisam abandonar a escola para trabalhar. As estradas da aldeia são ruins e as distâncias entre as famílias são longas, tanto que os estudantes tinham de caminhar por mais de hora para chegar na escola onde estavam sendo feitas as oficinas.

 As alternativas que os Wassu encontram para sobreviver acabam sendo as que oferecem o mundo branco, como por exemplo, o plantio da cana de açúcar, bastante comum na região. O trabalho é duro e as condições precárias, sem contar a utilização das queimadas que acabam ocasionando doenças respiratórias, principalmente nas crianças. Não bastasse isso ainda enfrentam a ganância dos usineiros da região, que insistem em avançar sobre suas terras, usando da violência. Ainda assim, mesmo em meio à seca e ao canavial – que cobra dura fatura – a juventude Wassu pode experienciar a vivência num território que ainda tem muito rio, muitas nascentes limpinhas, muito caju e muita manga. E isso bem que determina um modo de ser.

O trabalho foi tão bem aproveitado que os jovens  que participaram da capacitação fundaram a Organização de Jovens Indígenas de Wassu Cocal voltada para o etnodesenvolvimento social, econômico e da comunicação. Segundo Rosineide ainda está em debate o nome definitivo da organização, o que vai ser decidido na reunião que farão dia 29 de janeiro. Mas, já foram definidas as regras que devem gerir o grupo bem como a realização de uma oficina de teatro no dia 19 de janeiro, com o  objetivo de integrar ainda mais os participantes. Também realizarão ações para angariar renda para as despesas do coletivo, tais como a venda de cocada.  Em fevereiro já está prevista outra reunião para discussão dos objetivos da organização e para pensar ações relacionadas ao meio ambiente.


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A capacitação da juventude indígena no manejo das novas tecnologias é mais um passo para a autonomia e emancipação dos povos originários.