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Como acontece a escolha dos Intercambistas

Importante refletir sobre mais um aspecto do Intercâmbio Estudantil, no qual a escolha de onze estudantes passa por um processo (critérios) que começa em março e termina em junho. É a realização de um trabalho pelos intercambistas com um tema de pesquisa relacionado com o país visitado. A escolha do tema e a elaboração do projeto são feitas antes da viagem e é um dos critérios para a seleção dos candidatos. É uma forma de envolver mais professores do Colégio, já que cada estudante tem que ter um orientador. Os temas pesquisados nesses 22 anos são diversos, e distintos os resultados alcançados. Pesquisam sobre transporte público, ambientes de conservação natural, saneamento básico, regimes ditatoriais, movimentos políticos, culturais e de lazer da juventude, música, folclore, medicina natural, literatura, mídia, moradores de rua, patrimônio histórico material e imaterial, sexualidade entre outros. Consideramos a pesquisa o compromisso real entre o projeto e as instituições.

Ao final do intercâmbio discente, encaminhamos aos estudantes brasileiros, aos argentinos e aos pais brasileiros, um questionário com o objetivo de avaliar o intercâmbio e suas experiências. Nos depoimentos alguns pontos permanecem sendo apontados. Em relação ao aspecto metodológico percebe-se que os estudantes brasileiros destacam algumas diferenças significativas, como: a escola funcionando em período integral, e assim possibilitando que todas as atividades sejam desenvolvidas na própria escola, evitando ter que levar tarefas para serem feitas em casa. Outro aspecto é a dinâmica da sala de aula, onde as carteiras são duplas, possibilitando um contato maior com os colegas. Esta proximidade, na opinião geral dos estudantes, facilita o aprendizado, principalmente porque um pode ajudar o outro.

Quanto à convivência em sala, geralmente destacam a boa receptividade que os brasileiros encontram em Córdoba. Pessoas receptivas, dispostas a conhecer novos amigos, sem dificuldades de iniciar uma conversa… Nos primeiros dias de intercâmbio, a dificuldade com a língua espanhola é uma constante na sala de aula. Mas em poucos dias, o estranhamento “do ouvir e do falar” é superado.

Destaca-se, de forma geral, em diversos relatos, a maneira como os estudantes cordobeses se dedicavam ao estudo, ao desenvolvimento das tarefas propostas, ou seja, um forte comprometimento com o processo escolar e a autonomia que apresentavam em relação ao aprendizado e as regras escolares. Além disso, chamou a atenção à disposição dos alunos em programarem e desenvolverem atividades nos finais de semana, tendo como exemplo o atendimento a alunos com dificuldades, as atividades esportivas e ou a simples recreação. Estar na escola é algo para além da sala de aula, foi o que perceberam na Escuela Manuel Belgrano,

Muitos comentam que não tem grandes problemas em aceitar a alimentação e que se adaptam aos horários, mesmo ao da janta, a “cena”, que geralmente acontece por volta das vinte e três horas, momento em que todos os membros da família estão reunidos, sendo, pois, considerado muito importante.

Em relação aos aspectos culturais, que são na realidade os que contemplam toda a vivência, a compreensão e aceitação ou não do intercambista frente esta nova realidade, tivemos a impressão de que no decorrer dos anos normalmente estão dispostos a aceitar o diverso e a reconhecer as semelhanças. Conviver com outra cultura é um exercício de ver no outro o humano que há em todos nós.

E as meninas e os meninos argentinos quais as suas impressões que destacaríamos como comuns durantes esses anos de intercambio? Como os próprios estudantes comentam independente da sua nacionalidade, a realidade, a experiência não foi tão diversa. Ficar dois meses no Brasil, frequentando o CA em um primeiro momento coloca-os frente a frente com a compreensão da língua portuguesa e com a própria situação da adaptação, o estrangeiro que chega e como é recebido. Destacam o estranhamento de fazerem provas de múltipla escolha, principalmente em matérias que consideram mais reflexivas. Salientam a importância da Saída de Estudo e das aulas de reforço e da possibilidade dos estudantes do Colégio poderem escolher uma língua e da variedade oferecida.

A vivência na família, assim como com os intercambistas brasileiros, proporciona no geral uma relação equilibrada. Realizaram pequenas viagens, passeios pelas praias, festas e confraternizações. Comentaram sobre a variedade da alimentação e que mesmo estranhando de que os brasileiros comam o seu tradicional prato basicamente todos os dias, feijão com arroz, se adaptam muito bem a rotina dos horários e ao tipo de comida.

Receber alguém estranho em casa é sempre uma grande expectativa. Quando se trata de um adolescente, as expectativas aumentam ainda mais.  Considerando ainda que esta estadia seja de dois meses. Esta expectativa é marcante no relato dos pais, quebradas as barreiras e possíveis preconceitos inicias, de modo geral, a convivência com os estudantes argentinos tem sido bastante tranquila. Outro aspecto que faz parte das preocupações dos pais é quanto ao aproveitamento escolar e à confecção do projeto de pesquisa. Porém, o empenho em desenvolver o projeto fica evidenciado.

Ao mesmo tempo em que a expectativa em receber o intercambista é grande, manifestada principalmente nas reuniões preparatórias, há também expectativas e preocupações em relação ao filho que vai para Córdoba. Entretanto, quando passa o período de intercâmbio, os relatos apresentam, na sua maioria, situação diversa daquela manifestada nas reuniões preparatórias. De modo geral a avaliação é bastante positiva, ressaltando, principalmente, o amadurecimento de seus filhos.

O interessante é que nas observações feitas pelos intercambistas, algumas se repetem no decorrer dos anos, revelando que temos uma identidade, um modo de ser e sentir que permanece e isto é detectado pelo jovem estrangeiro. Quando ele comenta sobre hábitos alimentares ou sobre a metodologia escolar, quando surpreso identifica que nem todo brasileiro sabe sambar ao mesmo tempo rompe a visão construída de fora e nos possibilita refazer ou reafirmar a ideia forjada de dentro.

Por fim, consideramos que não estamos trabalhando sozinhos, mas indiscutivelmente somos poucos, no trabalho e na crença de que integrar, aproximar, quebrar paradigmas são uma causa e causas que geram movimento resultam em transformação. E são transformações radicais, essas que nos deparamos todo ano, que no Aurélio é a mesma coisa que revolução. E isso é o principal. Mas “… um galo sozinho não tece a manhã…” como poetiza João Cabral de Melo Neto. E sendo assim toda aproximação, todo trabalho compartilhado, toda troca é possibilidade de continuidade.

O que temos aqui? Vinte e três anos. O que se faz em um dia? Muito! Enlaçamos corpos, cruzamos braços, enrugamos testa, produzimos textos, reproduzimos atos, fazemos e desfazemos. E em 23 anos, o que se faz? Basicamente? Harmoniza-se o compasso! Continuamente! Zelosos para que um leve desafino – e desatino – não espalhe o que está junto.

São dois mil e poucos quilômetros e vejam bem, somos do tempo do fax. Quando ligar para a Argentina era quase um ato terrorista. Esse é o contexto desse projeto. Mesmo nesse mundo acadêmico onde as produções devem virar títulos e as relações pessoais são escassas, onde trabalhamos “à beça” e nos aposentamos exaustos, consideramos que projetos que envolvam diretamente gente necessitam de … comida. É na mesa, no encontro sem tempo, sem ata, que se dá o sustento daquilo que é visível e importante para a Instituição.

Os Acordos são firmados pelas Autoridades. Entre um ato e outro, vira realidade. Cumpra-se! Agora, entre os atos e os fatos, o que vemos é a mesa, a comida. Como diria Bandeira, “Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte? O que eu vejo é o beco”. O que vemos são rostos, com nome, endereço… É o peixe, a empanada, o caminho com campos a perder de vista. Vemos e conhecemos o “beco”, com todo seu realismo. Sem lirismo.  Este projeto tem sido feito assim, desde o início, quando mandávamos telegrama ou fax era impossível ser estritamente formal e profissional, sempre no meio de uma linha ou outra lá estava uma mensagem subliminar, uma beijoca, um abraço mais caloroso.

Quando o Belgrano fez 70 anos, nos comovemos, pois a emoção dos nossos companheiros de Córdoba ao falarem da escola, nos enternece. E quando nos relatam sobre a escola na época da ditadura militar, nos revoltamos, como se aqueles estudantes desaparecidos fossem os nossos com sua meninice perdida.

A integração que forjamos é teórica. Requer pesquisa, leitura, produção textual. Somos teóricos mas somos do movimento, de la calle! Ao estudarmos a Reforma Universitária de Córdoba nos empolgamos. Ela nos remete a tempos que não fazem parte diretamente da política do nosso país. Mas foi fundamental para forjar a educação pública, laica, gratuita das instituições universitárias da América do Sul. Nossas bandeiras, nossas reivindicações possuem uma mesma origem, buscam um mesmo ideal.

Este projeto, considerado atividade permanente dentro do CA, assim com nome e rosto, se torna um projeto de muitos. Envolve-se a escola, envolvem-se os estudantes e envolvidas são as famílias. O que mais pode ser dito para quem não vive esse “projeto”? Que temos sido fiéis. Fiéis ao legado. Fiéis à ideia. A essência. Ao sonho. Ao amor, enamorados que somos por essa história.

Os relatórios, empilhados no armário, parecem quando estamos em plena refrega esqueletos de tempos idos, mas quando por um motivo qualquer os abrimos já não podemos deixá-los, nos detemos e ao folheá-los recuperamos o fio, a ideia, o amor. E seguimos.