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Quando as estátuas se movem

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Por IELA em 26 de julho de 2021

Quando as estátuas  se movem

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O encanto e a perplexidade no contato com a cultura e a política no México, creio, é comum a todo aquele que visita o país latino-americano do norte. No meu caso, a perplexidade era maior que o encanto pois em contraste com nossa tradição política orientada meticulosamente pela ideologia dominante – a ideologia da classe dominante – lá não é possível participar da política sem conhecimento da História. Portanto, meu espanto tinha raízes que desconhecia: a ignorância acumulada sobre a história nacional brasileira. No México, de estações do metrô a ruas e bairros – sem falar em cidades – quase tudo leva nome de rebeldes e revolucionários. Uma das principais avenidas do país se chama Revolución. A estação de metrô na linha que com frequência utilizava, Zapata. Outra mais adiante, División del Norte, homenagem a Pancho Vila. Por toda parte é possível ver monumentos e museus, sem falar no muralismo de Diego Rivera, Siqueiros, Orozco onde arte, revolução e História estão em perfeita comunhão.
Alguns anos após minha vida no México, fui assaltado pela mesma angústia quando voltando de um sebo descobri numa avenida de Caracas uma estátua em homenagem a Abreu e Lima. Na terra do general Ezequiel Zamora e de Simón Rodrigues eu me descobria novamente ignorante sobre a história das lutas no Brasil. A súbita desconfiança de que Abreu e Lima era português se desfez na volta ao hotel onde todas as noites, eu jantava com uma dupla que exibe paciência infinita numa conversa: Aldo Rebelo e Eduardo Suplicy. Os três participávamos de um evento organizado pela oposição venezuelana sobre a dívida externa e Hugo Chávez ainda não tinha emergido das entranhas das forças armadas para liderar um golpe inicialmente fracassado contra o governo constitucional de Carlos Andrés Perez. Então eu perguntei aos meus camaradas de mesa sobre Abreu e Lima. Aldo – meu contemporâneo de movimento estudantil – com aquela paciência atávica que até hoje o caracteriza, me deu uma breve e fecunda aula sobre a Revolução Pernambucana, Padre Roma e o general Abreu e Lima. De volta ao Brasil minha pesquisa sobre nosso general bolivariano iniciou com a leitura de um livro sobre o socialismo.
Quando fui viver na Argentina eu não mais ignorava a história nacional da Pátria Grande mas ainda assim o contraste é enorme com nossa tradição: no país vizinho, a referência histórica nas disputas políticas emergem a todo momento, razão pela qual após qualquer conversa a necessidade de correr para uma livraria ou biblioteca é imediata. Política é história!!  
No México, na política burguesa, Zapata e outros personagens históricos da Revolução Mexicana eram mencionados com frequência na boca de políticos vulgares e da esquerda parlamentar. Era menção quase alegórica, até o momento em que Zapata, Villa, Cárdenas deixaram de ser estátuas. No dia 1 de janeiro de 1994, por exemplo, explodiu em Chiapas a rebelião zapatista encabeçada pelo EZLN e, nesse caso, eu já tinha lido e tido aulas com Antonio García de León (Resistencia y utopia) de tal maneira que o espanto estava acompanhado com certo conhecimento da realidade indígena do país e do estado do sul. A partir daquela data, na política mexicana, Zapata deixou de ser uma estátua e produziu um movimento de massas cujo epicentro indicaria pouco tempo depois, o fim de um regime de partido de estado que durou 72 anos! 
Na Venezuela, também Bolívar era, além de estátua, menção cotidiana nos discursos de políticos vulgares pronunciados em salões burgueses até que numa bela manhã de 4 de fevereiro de 1992 o continente despertou com um movimento criado no interior das forças armadas (Movimento Bolivariano 200) cujo objetivo era nada menos do que a destituição pela força do governo constitucional de Carlos Andrés Perez. Então, como num passe de mágica, nunca mais um copeiano ou adeco – os dois partidos que dominavam a cena por décadas num regime completamente apodrecido – mencionaram novamente o nome do Libertador de maneira impune pois também o general Bolívar – assim como Zapata no México – tinha deixado de ser estátua para se converter no germe da Revolução Democrática Bolivariana.  
A reflexão anterior surgiu a propósito da queima de uma estátua em São Paulo no fim de semana.
No Brasil, a política se faz sem o recurso à nossa rica historia nacional. Na prática, se faz ignorando a história nacional. Por isso, talvez, é mais fácil queimar estátuas do que fazê-las caminhar.  
 

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