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Sexta Declaração da Selva Lacandona (2005)

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Por IELA em 19 de abril de 2022

Sexta Declaração da Selva Lacandona (2005)

Por iniciativa do professor, geógrafo, Carlos Walter Porto-Gonçalves, divulgamos a série “Manifestos para abrir horizontes”, com momentos importantes da luta dos trabalhadores, camponeses, ribeirinhos, quilombolas e povos originários em Abya Yala. Este é um documento histórico do Exército Zapatista de Libertação Nacional que, quando todos vaticinavam o fim das utopias, se levantou em armas no sul do México, acordando o mundo para a luta. A “sexta” é um legado à humanidade.
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EZLN- EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL – MÉXICO
Sexta Declaração da Selva Lacandona
                      Esta é a nossa palavra simples , que busca tocar o coração das pessoas humildes e simples como nós, mas, também ,como nós, dignos e rebeldes. Este é a nossa palavra simples, para contar o que tem sido o nosso caminhar e onde estamos agora, para explicar como vemos o mundo e o nosso país, para dizer o que pensamos fazer e como pensamos fazê-lo, e para convidar outras pessoas a caminharem conosco em algo muito grande que, se chama México e em algo maior, que se chama mundo. Esta é a nossa palavra simples, para dar conta a todos os corações que são honestos e nobres do que queremos no México e no mundo. Esta é nossa palavra simples porque nossa ideia é de chamar aqueles que são como nós e unirmos à eles, em todos os lugares onde vivem e lutam.
DO QUE SOMOS
Nós somos os zapatistas do EZLN, ainda que nos chamem também “neozapatistas”. Bom, mas nós zapatistas do EZLN nos levantamos em armas em janeiro de 1994, porque vimos a quantidade de maldades que nos fazem os poderosos, que só nos humilham, nos roubam, nos prendem e nos matam, e ninguém diz e nem faz nada.
Por isso, nós dissemos Basta! Ou seja, que já não vamos permitir que nos desprezem e nos tratem pior que os animais. E, então, também dissemos que queremos a democracia, a liberdade e a justiça para todos os mexicanos, ainda que nos centramos mais nos povos indígenas. Porque, nós, do EZLN, somos quase todos indígenas daqui de Chiapas, mas não queremos lutar só pelo nosso bem ou só pelo bem dos indígenas de Chiapas, ou só pelos povos indígenas do México; nós queremos lutar, sim, com todas as pessoas simples e humildes como nós, que passam por grande necessidade e que sofrem a exploração e os roubos dos ricos e de seus maus governos aqui no nosso México e em outros países do mundo.
E, então, nossa pequena história é que nos cansamos da exploração que nos faziam os poderosos e nos organizamos para nos defendermos e para lutar pela justiça. De início, não somos muitos; somos apenas um punhado que andam de um lado pra outro, falando e ouvindo outras pessoas como nós. Fizemos isso durante muitos anos e o fizemos em segredo, ou seja, sem fazer alarde. Ou seja, juntamos nossa força em silêncio. Levamos cerca de 10 anos, depois crescemos e já éramos muitos milhares. Então, nos preparamos bem, com a política e com as armas, e, de repente, quando os ricos estão celebrando a festa de ano novo, caímos sobre suas cidades e as ocupamos e fizemos saber a todos que estávamos aqui, que eles têm que nos levar em consideração. E depois que os ricos ficaram muito assustados, nos enviaram seus grandes exércitos para que acabassem conosco, como sempre fazem quando os explorados se rebelam, mandam acabar com todos. Mas não conseguiram acabar conosco, porque nós nos preparamos muito bem antes da guerra e nos tornamos fortes em nossas montanhas. E os exércitos andavam por aí procurando-nos e jogando suas bombas e balas contra nós, e já estavam fazendo seus planos de matarem todos os indígenas por não saber quem é e quem não é zapatista. E nós, correndo e combatendo, combatendo e correndo, como fizeram nossos antepassados. Sem que nos entregássemos, sem que nos rendêssemos, sem que nos derrotassem.
Então os moradores das cidades saem as ruas e começam sua gritaria de que se pare com a guerra. Assim, nós paramos nossa guerra e ouvimos estes irmãos e irmãs da cidade que nos dizem para tratarmos de chegar a um acordo, ou seja a um acordo com os maus governos para que o problema seja resolvido sem uma matança. E nós demos atenção a essa gente, porque esta gente é, como dizemos, “o povo”, ou seja o povo mexicano. Assim, colocamos de lado o fogo e tiramos a palavra.
E acontece que os governos disseram que vão se comportar bem sim, vão dialogar, vão fazer acordos e vão cumpri-los. E nós dissemos que está bem, mas também pensamos que está bem que conhecemos esta gente que saiu às ruas para parar a guerra. Então, enquanto estamos dialogando com os maus governos, falamos também com estas pessoas e vimos que a maioria era gente humilde e simples como nós, e ambos, ou seja eles e nós, entendemos bem porque lutamos. Chamamos esta gente de “sociedade civil” porque a maioria não pertencia a partidos políticos, mas era gente comum, como nós, gente simples e humilde.
Mas acontece que os maus governos não queriam um bom acordo, sua artimanha era de falar e chegar a um acordo enquanto estavam preparando seus ataques para eliminar-nos de vez. E, então, nos atacaram em várias ocasiões, mas não nos venceram porque resistimos bem e muita gente se mobilizou no mundo inteiro. E então os maus governos pensaram que o problema é que muita gente está vendo o que acontece com o EZLN, e começaram seu plano de fazer como se nada estivesse acontecendo. E isso enquanto nos rodeiam, ou sejam nos põe um cerco a espera de que, como nossas montanhas ficam em lugar retirado, as pessoas acabassem esquecendo por estar longe da terra zapatista. De tanto em tanto, os maus governos tentam, tratam de nos enganar ou nos atacam, como em fevereiro de 1995 quando nos mandaram uma grande quantidade de tropas, mas não nos derrotaram. Porque, como dizem logo em seguida, não estamos sós, muita gente nos apoiou e resistimos bem.
Depois, os maus governos tiveram que fazer acordos com o EZLN e estes acordos se chamam “Acordos de San Andrés” , porque “San Andrés” é o município onde estes acordos foram assinados. Nestes diálogos, nós não estávamos sozinhos a falar com os do mau governo, mas convidamos muitas pessoas e organizações que estavam ou estão na luta pelos povos indígenas do México, e todos diziam sua palavra e todos chegávamos a acordos sobre como vamos falar com os maus governos. E, assim foi este diálogo, no qual não havia só zapatistas de um lado e governos do outro, mas com os zapatistas estavam sim os povos indígenas do México e os que os apoiam. E nestes acordos os maus governos disseram que vão reconhecer os direitos dos povos indígenas do México, vão respeitar sua cultura, e vão transformá-los em lei na Constituição. Mas, depois de assinados, os maus governos se fizeram de esquecidos, passam muitos anos e nada de cumprir estes acordos. Ao contrário, o governo atacou os indígenas para obrigá-los a recuar em sua luta, como em 22 de dezembro de 1997, data em que Zedillo mandou matar 45 homens, mulheres, anciãos e crianças no povoado de Chiapas que se chama Acteal. Crime como este não se esquece tão facilmente e é uma amostra de como os maus governos não têm escrúpulos em atacar e assassinar os que se rebelam contra as injustiças. E, enquanto isso, nós zapatistas pressionamos para que se cumpram os acordos e vamos resistindo nas montanhas do sudeste mexicano.
E então começamos a falar com outros povos indígenas do México e com suas organizações e acordamos com eles de que vamos lutar juntos pelo mesmo, ou seja, pelo reconhecimento dos direitos e da cultura indígenas. Bom, também nos apoiou muita gente do mundo inteiro, e pessoas que são muito respeitadas e cuja palavra é muito grande porque trata-se de grandes intelectuais, artistas e cientistas do México e do mundo inteiro. Realizamos também encontros internacionais, ou seja, nos juntamos para falar com pessoas da América, da Ásia, da Europa, da África e da Oceania, conhecemos suas lutas e seus jeitos, e dissemos que são encontros “intergalácticos” só para sermos brincalhões e porque convidamos também os de outros planetas, mas parece que não chegaram, ou talvez chegaram, mas não o disseram claramente.
Seja como for, os maus governos não cumpriam (os acordos), e então fizemos um plano para falar com muitos mexicanos para que nos apoiassem. Então, antes de tudo, fizemos, em 1997, uma marcha até a Cidade do México que se chamou “dos 1.111″ porque iam um companheiro e uma companheira de cada povoado zapatista, mas o governo não lhe fez caso. Em seguida, em 1999, fizemos uma consulta em todo o país e aí deu pra ver que a maioria concorda com as demandas dos povos indígenas, mas os maus governos tampouco lhe fizeram caso. E, por último, em 2001, fizemos a que se chamou a “Marcha Pela Dignidade Indígena” , que teve muito apoio de milhões de mexicanos e de outros países, e chegou até onde estão os deputados e os senadores, ou seja, no Congresso da União, para exigir o reconhecimento dos indígenas mexicanos.
Mas acontece que não, que os políticos que são do partido PRI, do partido PAN e do partido PRD entraram em acordo entre eles e simplesmente não reconheceram os direitos e a cultura indígenas. Isso foi em abril de 2001 e aí os políticos demonstraram claramente que não têm nenhuma decência e são sem-vergonhas, que só pensam em ganhar seu bom dinheiro como maus governantes que são. Temos que lembrar disso porque já, já, vão dizer a vocês que vão reconhecer os direitos indígenas, mas é uma mentira que eles jogam para que votem neles, já tiveram sua oportunidade e não cumpriram o seu dever.
Foi então que nos demos conta de que o diálogo e a negociação com os maus governos do México foram em vão. Ou seja, não é conveniente que falemos com os políticos porque nem seu coração, nem sua palavra agem direito, mas estão cheios de tramoias e soltam mentiras de que vão cumprir, mas depois não cumprem. Ou seja, naquele dia em que os políticos do PRI, do PAN e do PRD aprovaram uma lei inútil, mataram de vez o diálogo e deixaram claro que pouco importa o que eles acordam ou assinam porque não têm palavra. Em seguida, não fizemos nenhum contato com os poderes federais, porque entendemos que o diálogo e a negociação haviam fracassado por causa destes partidos políticos. Vimos que não se importavam com o sangue, a morte, o sofrimento, as mobilizações, as consultas, os esforços, os pronunciamentos nacionais e internacionais, os encontros, os acordos, as assinaturas, os compromissos. Desta forma, a classe política não só fechou, mais uma vez, a porta aos povos indígenas, como também deu um golpe mortal à solução pacífica, dialogada e negociada da guerra. E também não se pode mais acreditar que se cumpram os acordos a que se chega com quem quer que seja. Observem para tirar proveito do que aconteceu conosco.
E então nós vimos tudo isso e pensamos em nossos corações o que vamos fazer. A primeira coisa que vimos é que o nosso coração já não é como era antes, quando começamos nossa luta, mas sim que é maior porque já tocamos o coração de muita gente boa. E também vimos que o nosso coração está mais ferido. E não é que está ferido pelos enganos que os maus governos nos fizeram, mas sim porque quando tocamos os corações de outros tocamos também suas dores. Ou seja, foi como vermo-nos num espelho.
II- DE ONDE ESTAMOS AGORA
Então, como zapatistas, pensamos que não bastava em deixar de dialogar com o governo, mas que era necessário sim ir adiante na luta apesar destes políticos parasitas e vagabundos. O EZLN decidiu então pelo cumprimento, sozinho e de sua parte (ou seja, isso que se chama de “unilateral” porque é só de um lado), dos Acordos de San Andrés quanto aos direitos e a cultura indígenas. Durante 4 anos, desde meados de 2001 até meados de 2005, nos dedicamos a isso, e a outras coisas que já vamos contar.
Bom, começamos então a implantar os municípios autônomos rebeldes zapatistas, que é como se organizaram os povoados para governar e governar-se, para tornarem-se mais fortes. Esta forma de governo autônomo não foi inventada sem mais nem menos pelo EZLN, mas vem de vários séculos de resistência indígena e da própria experiência zapatistas, enquanto autogoverno das comunidades. Ou seja, não é que vem alguém de fora a governar, mas que os próprios povoados decidem, entre eles, quem e como governa, e se este não obedece então o tiram. Ou seja, se quem manda não obedece ao povo, então o põem pra correr, deixa de ser autoridade e entra outro.
Vimos então que os municípios autônomos não estavam todos no mesmo nível, mas havia alguns que estavam mais avançados e tinham mais apoios da sociedade civil, e outros estavam mais abandonados. Ou seja, que faltava organizar as coisas para que tudo fosse mais igualitário. Vimos também que o EZLN com sua parte político militar estava se metendo nas decisões que cabiam as autoridades democráticas, como se diz “civis”. E, aqui, o problema é que a parte político-militar do EZLN não é democrática, porque é um exército, e vimos que não está certo isso que o militar está em cima e o democrático em baixo, porque não é possível que o democrático seja decidido militarmente, mas sim deve ser o contrário: ou seja, que o político-democrático está em cima mandando e em baixo o militar obedecendo. Ou, talvez, é melhor que não haja nada em baixo, que seja tudo bem plano, sem militar, e por isso os zapatistas são soldados para que não haja soldados. Bom, mas então, em relação a este problema, o que fizemos foi começar a separar o que é político militar do que são as formas de organização autônomas e democráticas das comunidades zapatistas. E, assim, ações e decisões que antes o EZLN fazia e tomava, aos poucos foram repassadas às autoridades democraticamente eleitas nos povoados. Claro que isso é fácil de dizer, mas na prática custa muito, porque são muitos anos, primeiro quando da preparação da guerra e, em seguida, já é a guerra e vai se acostumando com o político-militar. Mas, seja como for, fizemos isso porque este é o nosso jeito, de fazer o que dizemos, porque senão não há porquê sair dizendo se depois não o fazemos.
Foi assim que, em agosto de 2003, nasceram as Juntas de Bom Governo, e com elas se continuou a aprendizagem e o exercício do “mandar obedecendo”. Desde então, e até a metade de 2005, a direção do EZLN não se meteu a dar ordens nos assuntos civis, mas acompanhou e apoiou as autoridades democraticamente eleitas pelos povoados e, além disso, vigiou para que fossem bem informados os povos e a sociedade civil nacional e internacional em relação aos apoios recebidos e em que foram utilizados. E agora estamos passando o trabalho de vigilância do bom governo às bases de apoio zapatistas, com cargos em esquema de rodízio, de tal forma que todos e todas aprendam e realizem este trabalho. Porque nós achamos que um povo que não vigia os seus governantes está condenado a ser escravo, e nós lutamos para sermos livres, não para mudar de amo a cada seis anos.
Durante estes 4 anos, o EZLN também passou às Juntas de Bom Governo e aos Municípios Autônomos os apoios e contatos que, em todo o México e o mundo, foram conseguidos nestes anos de guerra e resistência. Além disso, durante este período, o EZLN foi construindo um apoio econômico e político que permita às comunidades zapatistas avançar com menos dificuldades na construção de sua autonomia e na melhora de suas condições de vida. Não é muito, mas é bem superior ao que se tinha antes do início do levante, em janeiro de 1994. Se você olha para um desses estudos feitos pelos governos, vai ver que as únicas comunidades indígenas que melhoraram suas condições de vida, ou seja, sua saúde, educação, alimentação, moradia, foram as que estão em território zapatista, que é como nós chamamos o lugar onde estão nossos povoados. E tudo isso tem sido possível pelo avanço dos povoados zapatistas e pelo apoio muito grande recebido de pessoas boas e nobres, que chamamos de “sociedades civis”, e de suas organizações no mundo inteiro. Como se todas estas pessoas tivessem tornado realidade isso de que “outro mundo é possível”, mas nos fatos, não nas simples falações.
E, então, os povoados têm tido bons avanços. Agora há mais companheiros e companheiras que estão aprendendo a ser governo. E, ainda que aos poucos, há mais mulheres que estão entrando nestes trabalhos, mas ainda continua faltando respeito para com as companheiras e que elas participem mais nos trabalhos da luta. Além disso, as Juntas de Bom Governo, têm melhorado a coordenação entre os municípios autônomos e a solução de problemas com outras organizações e com autoridades dos municípios oficiais. E, também, se melhorou muito nos projetos das comunidades, e é mais igualitária a distribuição de projetos e apoios dados pela sociedade civil do mundo inteiro: a saúde e a educação têm melhorado, mesmo que ainda falte um bocado para serem o que devem ser, o mesmo ocorreu com a moradia e a alimentação, e em algumas regiões tem melhorado muito o problema da terra porque as terras recuperadas dos fazendeiros foram distribuídas, mas há regiões que continuam sofrendo por falta de terras para cultivar. E também melhorou muito o apoio da sociedade civil nacional e internacional, porque antes cada um iam onde lhe dava na telha, e agora as Juntas de Bom Governo orientam em relação a onde é mais necessário. E, por isso mesmo, por toda parte, há mais companheiros e companheiras que estão aprendendo a relacionar-se com as pessoas de outras regiões do México e do mundo, estão aprendendo a respeitar e a exigir respeito, estão aprendendo que há muitos mundos e que todos têm o seu lugar, seu tempo, seu jeito, e temos que nos respeitar mutuamente entre todos.
Bom, nós zapatistas do EZLN dedicamos esse tempo a nossa força principal, ou seja, aos povoados que nos apoiam. A situação passou por uma melhora e não se pode dizer que a organização e a luta zapatistas foram em vão, e, ainda que acabem conosco de vez, nossa luta serviu para alguma coisa.
Mas não foram só os povoados zapatistas a crescerem, o EZLN também cresceu. Porque o que aconteceu neste período é que novas gerações renovaram toda a nossa organização. Ou seja, injetaram uma nova força. Os comandantes e comandantas, que estavam em sua maturidade no início do levante em 1994, têm agora a sabedoria do que foi aprendido na guerra e no diálogo de 12 anos com milhares de homens e mulheres do mundo inteiro. Os membros do CCRI, a direção político-organizativa zapatista, agora aconselham e orientam os novos que vão entrando em nossa luta e os que vão ocupando cargos de direção. E já faz tempo que os “comitês” (que é como nós os chamamos), têm preparado toda uma nova geração de comandantes e comandantas que, depois de um período de instrução e prova, começam a conhecer os trabalhos do comando organizativo e a desempenhá-los. E acontece também que nossos insurgentes, insurgentas, milicianos, milicianas, responsáveis locais e regionais, bem como as bases de apoio, que eram jovens no início do levante, já são homens e mulheres maduros, combatentes veteranos e líderes naturais em suas unidades e comunidades. E aqueles que eram crianças naquele janeiro de 1994, são jovens que têm crescido na resistência, e têm sido formados na digna rebeldia levada adiante por seus pais, nestes 12 anos de guerra. Estes jovens têm uma formação política, técnica e cultural que nós que iniciamos o movimento zapatista não tínhamos. Esta juventude alimenta agora, cada vez mais, tanto nossas tropas como os postos de direção na organização. E, bom, todos nós vimos as enganações da classe política mexicana e a destruição que suas ações provocam em nossa pátria. E vimos as grandes injustiças e matanças realizadas pela globalização neoliberal no mundo inteiro. Mas vou lhes falar disso mais adiante.
Assim, o EZLN tem resistido a 12 anos de guerra, de ataques militares, políticos, ideológicos e econômicos, de cerco, de perseguição, de hostilidades e não têm nos vencido, não nos vendemos, nem nos rendemos, e temos avançado. Mais companheiros de muitos lugares têm entrado na luta, de tal forma que, no lugar de tornarmo-nos mais fracos depois de tantos anos, nos fazemos mais fortes. Claro que há problemas que podem ser resolvidos separando mais o político-militar do civil-democrático. Mas há coisas, as mais importantes, como são nossas demandas pelas quais lutamos que não foram completamente atingidas.
Conforme nosso pensamento e o que vemos em nosso coração, temos chegado a um ponto em que não podemos ir além e, além disso, é possível que percamos tudo o que temos se ficamos como estamos e não fazemos nada para avançar. Ou seja, chegou a hora de arriscar outra vez e dar um passo perigoso, mas que vale a pena. Porque, talvez, unidos com outros setores sociais que têm nossas mesmas carências, será possível conseguir o que precisamos e merecemos. Um novo passo adiante na luta indígena só é possível se o indígena se une aos operários, camponeses, estudantes, professores, empregados… ou seja, aos trabalhadores da cidade e do campo.
III- DE COMO VEMOS O MUNDO
Agora vamos explicar-lhes como é que vemos nós os zapatistas o que acontece no mundo. Pois vemos que o capitalismo é o que está mais forte agora. O capitalismo é um sistema social, ou seja, uma forma como em uma sociedade estão organizadas as coisas e as pessoas, a quem tem e a quem não tem, e quem manda e quem obedece. No capitalismo há uns que tem o dinheiro, ou seja capital e fábricas e lojas e terras e muitas coisas, e há outros que não tem nada, senão que só tem sua força e seu conhecimento para trabalhar; e no capitalismo mandam os que tem o dinheiro e as coisas, e obedecem os que nada mais tem que sua capacidade de trabalho.
E, então, o capitalismo quer dizer que tem uns poucos que tem grandes riquezas, mas não é que ganharam um prêmio, ou que encontraram um tesouro, ou que herdaram de um parente, senão que essas riquezas as obtém de explorar o trabalho de muitos. Ou seja, que o capitalismo se baseia na exploração dos trabalhadores, que quer dizer que como que espremem os trabalhadores e tiram deles tudo o que podem de lucro. Isso se faz com injustiça porque ao trabalhador não lhes pagam honestamente o que é o seu trabalho, senão que apenas lhes dão um salário para que coma um pouco e se descanse um tantinho, e no outro dia voltem a trabalhar no “exploradeiro”, seja no campo ou na cidade.
E, também, o capitalismo faz sua riqueza com o despojo, ou seja o roubo, porque lhes tiram de outros o que ambicionam, por exemplo terras e riquezas naturais. Ou seja, que o capitalismo é um sistema onde os ladrões estão livres e são admirados e postos como exemplo.
E, além de explorar e despojar, o capitalismo reprime porque encarcera e mata aos que se rebelam contra a injustiça.
Ao capitalismo o que mais lhe interessa são as mercadorias, porque quando se compram e se vendem dão lucro. E, então, o capitalismo converte tudo em mercadoria, faz mercadoria às pessoas, à natureza, à cultura, à história, à consciência. Segundo o capitalismo, tudo se tem que poder comprar e vender. E tudo se esconde atrás das mercadorias para que não vejamos a exploração que se faz. E então as mercadorias se compram e se vendem num mercado. E resulta que o mercado, além de servir para comprar e para vender, também serve para esconder a exploração dos trabalhadores. Por exemplo, no mercado vemos o café já empacotado, em seu saquinho ou frasco muito bonitinho, mas não vemos o camponês que sofreu para colher o café, e não vemos o coiote que lhe pagou muito barato pelo seu trabalho, e não vemos aos trabalhadores na grande empresa dá-lhe que dá-lhe para empacotar o café. Ou vemos um aparelho para escutar música como “cumbias”, “racheras”, ou corridos ou segundo cada gosto, e vemos que está muito bom porque tem bom som, mas não vemos às operárias da maquiladora que batalhou muitas horas para colar os cabos e as partes do aparelho, e apenas lhes pagaram uma miséria de dinheiro, e elas moram longe do trabalho e gastam um montão em passagens, e além disso correm perigo que as sequestrem, a violem, ou a matem como acontece na Ciudad Juárez, no México.
Ou seja, que no mercado vemos mercadorias, mas não vemos a exploração com a qual se fizeram. E então o capitalismo necessita muitos mercados… Ou um mercado muito grande, um mercado mundial.
E, então, resulta que o capitalismo de agora não é igual que antes, que estão os ricos contentes explorando os trabalhadores de seus países, senão que agora está em um passo que se chama Globalização Neoliberal. Esta globalização quer dizer que já não só em um país dominam aos trabalhadores ou em vários, senão que os capitalistas tratam de dominar tudo em todo o mundo. E, então, ao mundo, ou seja o planeta terra, também se diz que é o “globo terrestre” e por isso se diz “globalização” ou seja, todo o mundo.
E o neoliberalismo, pois, é a ideia de que o capitalismo está livre para dominar todo o mundo e fazer o que quiser, pois tem-se que resignar e conformar-se e não fazer ruído, ou seja não rebelar-se. Ou seja que o neoliberalismo é como a teoria, o plano pois, da globalização capitalista. E o neoliberalismo tem seus planos econômicos, políticos, militares e culturais. Em todos estes planos do que se trata é de dominar a todos, e aquele que não obedece pois o reprimem ou o apartam para que não passe suas ideias de rebelião a outros.
Então, na globalização neoliberal, os grandes capitalistas que vivem nos países que são poderosos, como Estados Unidos, querem que todo o mundo se faça como uma grande empresa onde se produzem mercadorias e como um grande mercado. Um mercado mundial, um mercado pra comprar e vender todo do mundo e para esconder toda a exploração de todo o mundo. Então os capitalistas globalizados se metem a todos os lados, ou seja a todos os países, para fazer seus negócios ou seja suas grandes explorações. E então não respeitam nada e se mentem como querem. Ou seja, que como que fazem a conquista de outros países. Por isso nós zapatistas dizemos que a globalização neoliberal é uma guerra de conquista de todo o mundo, uma guerra mundial, uma guerra que faz o capitalismo para dominar mundialmente. E então essa conquista as vezes é com exércitos que invadem um país e a força o conquistam. Mas as vezes é com a economia, ou seja, que os grandes capitalistas metem seu dinheiro em outro país ou lhe empresta dinheiro, mas com a condição de que obedeçam o que eles dizem. E também se metem com suas ideias, ou seja com a cultura capitalista que é a cultura do mercado, da ganância do mercado.
Então o que faz a conquista, o capitalismo, faz como quer, ou seja que destruí e muda o que não gosta e elimina o que lhe estorva. Por exemplo, lhe estorva os que não produzem nem compram nem vendem as mercadorias da modernidade, ou os que se rebelam a essa ordem. E a esses que não servem, pois os despreciam. Por isso os indígenas estorvam à globalização neoliberal e por isso os despreciam e os querem eliminar. E o capitalismo neoliberal também acabam com as leis que não o deixa fazer muitas explorações e ter muito lucro. Por exemplo, impõem que tudo se possa comprar e vender, e como o capitalismo tem o dinheiro, pois, compra tudo. Então o capitalismo destrói aos países que conquistam com a globalização neoliberal, mas também como que querem voltar a acomodar tudo, e fazer de novo, mas ao seu modo, ou seja de modo que o beneficie e sem o que lhe estorva. Então a globalização neoliberal, ou seja a capitalista, destrói o que o que há nesses países, destrói sua cultura, seu idioma, seu sistema econômico, seu sistema político, e também destrói os modos em que se relacionam os que vivem nesse país. Ou seja, que fica destruído tudo o que faz que um país seja país.
Então a globalização neoliberal quer destruir às nações do mundo e que só fique uma nação ou país, ou seja o país do dinheiro, do capital. E o capitalismo quer então que tudo seja como ele quer, segundo seu modo, e o que é diferente pois ele não gosta, o persegue e o ataca, ou o aparta em um cantinho e faz como que não exista.
Então, como quem diz que resumindo, o capitalismo da globalização neoliberal se baseia na exploração, no despojo, no desprezo e na repressão aos que não se deixam dominar. Ou seja, igual que antes, mas agora globalizado, mundial.
Mas não é tão fácil para a globalização neoliberal, porque os explorados de cada país não se conformam e não dizem que já não se pode fazer nada, senão que se rebelam; e os que sobram e estorvam pois resistem e não se deixam ser eliminados. E, então, por isso, vemos que em todo o mundo que estão oprimidos fazem resistência para não deixar-se, ou seja, que se rebelam, e não só em um país senão que onde queira, abundam, ou seja que, assim como há uma globalização neoliberal, há uma globalização da rebeldia.
E nessa globalização da rebeldia não só aparecem os trabalhadores do campo e da cidade, senão que também aparecem outros e outras que muito os perseguem e que despreciam pelo mesmo de que não se deixam dominar, como são as mulheres, os jovens, os indígenas, os homossexuais, lesbicas, transexuais, os migrantes, e muitos outros grupos que existem em todo o mundo mas que não vemos até que gritam que já basta de que os despreciem, e se levantam, e pois já os vemos, e os ouvimos, e aprendemos.
E, então, nós vemos que todos esses grupos de pessoas estão lutando contra o neoliberalismo, ou seja contra o plano da globalização capitalista, e estão lutando pela humanidade.
E tudo isso que vemos nos produz grande assombro por ver a estupidez dos neoliberalistas que querem destruir toda a humanidade com sua guerra e explorações, mas também nos produz grande alegria ver que onde seja saem resistências e rebeldias, assim como a nossa que é um pouco pequena mas aqui estamos. E vemos que tudo isso em todo o mundo e já nosso coração aprende que não estamos sós.
IV.- DE COMO VEMOS A NOSSO PAÍS QUE É MÉXICO.
Agora falaremos como vemos o que está passando no nosso México. Bom, pois o que vemos é que nosso país está governado pelos neoliberais. Ou seja, que, como já explicamos, os governantes que temos estão destruindo o que é nossa nação, nossa pátria mexicana. E seu trabalho de esses maus governantes não é olhar pelo bem do povo, senão que só estão pendentes do bem estar dos capitalistas. Por exemplo, fazem leis como as do Tratado de Livre Comercio, que passam a deixar em miséria a muitos mexicanos, tanto trabalhadores rurais e pequenos produtores, porque são “comidos” pelas grandes empresas agroindustriais; tanto como os operários e pequenos empresários porque não podem competir com as grandes transnacionais que se metem sem que ninguém lhes diga nada e até lhes agradecem, e põem seus baixos salários e seus altos preços. Ou seja que, como quem diz, algumas das bases econômicas do nosso México, que eram o campo e a indústria e o comercio nacional, estão bem destruídas e apenas ficam uns poucos escombros que com certeza vão vender.
E estas são grandes desgraças para nossa pátria. Porque pois no campo já não se produzem os alimentos, senão só o que vendem os grandes capitalistas, e as boas terras são roubadas com manhas e com apoio dos políticos. Ou seja, que no campo está acontecendo igual que quando o “Porfirismo”, nada mais que, em lugar de fazendeiros, agora são umas empresas estrangeiras as que tem o trabalhador da terra bem oprimidos. E onde antes havia crédito e preços de proteção, agora só há esmolas… E, às vezes, nem isso.
Por sua vez o trabalhador da cidade, as fabricas fecham e ficam sem trabalho, ou se abrem as que se chamam maquiladoras, que são do estrangeiro e que pagam uma miséria por muitas horas de trabalho. E então não importa o preço dos produtos que necessita o povo, porque, ainda que esteja caro ou barato, não se tem o dinheiro. E se alguém trabalhava em uma pequena ou média empresa,  já não, porque se fechou e a comprou uma grande transnacional. E se alguém tinha um pequeno negócio, pois também se desapareceu ou passou a trabalhar clandestinamente para as grandes empresas que os exploram uma barbaridade, e até põem para trabalhar as crianças. E se o trabalhador estava em um sindicato para demandar seus direitos legalmente, pois não, que o mesmo sindicato lhe diz que tem que enfrentar que baixem o salário ou a jornada de trabalho ou eliminam os benefícios, porque, senão, a empresa fecha e vai para outro país. E logo, pois, está isso do “micro negócio”, que é como o programa econômico do governo para que todos os trabalhadores da cidade ponham-se a vender chicletes ou cartões de telefone nas esquinas. Ou seja, que pura destruição econômica também nas cidades.
E, então, o que acontece é, que, como a economia do povo está bem oprimida tanto no campo como na cidade, pois muitos mexicanos e mexicanas tem que deixar sua pátria, ou seja sua terra mexicana, e ir-se buscar trabalho em outro país qu

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