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Desigualdade e violência dificultam o combate à pandemia na Colômbia

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Por IELA em 05 de maio de 2020

Desigualdade e violência dificultam o combate à pandemia na Colômbia

Funcionários da prefeitura de Bogotá conversam com algumas pessoas que vivem na rua. Faltam informações sobre cuidados ou materiais para se proteger do coronavírus.

Fotos: Gerald Bermúdez
O grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (ELN) anunciou o fim do cessar-fogo unilateral, por falta de reciprocidade do governo. Desde o início da quarentena, 33 líderes sociais já foram assassinados e a ajuda financeira do governo não está chegando aos mais pobres. 
Em 6 de março o Ministério da Saúde da Colômbia confirmou o primeiro caso de Covid-19. Dois meses depois de declarada a emergência sanitária, a epidemia avança no país, enquanto a população continua convivendo com problemas crônicos como a violência política, a desigualdade e a informalidade laboral. Até o dia 5 de maio havia 7.973 casos confirmados da doença, com 1.807 pessoas recuperadas e 358 mortes, segundo o Instituto Nacional de Saúde. O cessar-fogo unilateral declarado pela guerrilha durou pouco mais de um mês, mas foi suspenso por falta de acordo com o governo.
“Desde o início da quarentena já foram assassinadas 33 lideranças sociais”, informa o repórter e fotojornalista freelance Gerald Bermúdez, que há dez anos cobre o conflito armado e o processo de paz para veículos da imprensa internacional. “A quarentena não tem sido obstáculo para que a onda de crimes políticos continue e o governo nacional permanece calado”. Na opinião do jornalista, a pandemia contribui para o empobrecimento da classe média, a ampliação do controle sobre a imprensa, o favorecimento dos bancos privados e o aumento da fome entre os mais pobres (leia abaixo o depoimento dele à Dfato).
Em 27 de abril, Exército de Libertação Nacional (ELN), organização guerrilheira de inspiração comunista, informou que a partir do dia 30 iria suspender o cessar-fogo unilateral anunciado em 29 de março. A pausa de seis semanas é o intervalo mais longo sem ofensivas armadas nos últimos 12 anos, segundo o Centro de Recursos para a Análise de Conflitos (Cerac). O ELN justifica a decisão pelo fato de o governo de Iván Duque, de direita conservadora, não ter respondido de maneira recíproca aos apelos do Papa Francisco e do secretário geral da ONU, António Guterres, nem escutado as propostas de paz do grupo.
 
As seis décadas de conflito armado na Colômbia já deixaram mais de 262 mil mortos, dos quais 82% civis, segundo o Centro Nacional de Memória Histórica. Um dos movimentos mais atuantes eram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), maior e mais antigo grupo rebelde do país, de inspiração marxista-leninista. Em 2016 as Farc renunciaram à luta armada e se transformaram em um partido político com cinco cadeiras no Congresso. O acordo foi negociado pelo ex-presidente Juan Manuel Santos, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Em janeiro de 2019, seu sucessor Iván Duque interrompeu as negociações com a ELN, atribuindo a decisão a um ataque contra a academia de polícia de Bogotá, que deixou 21 mortos e 65 feridos. 
O conflito permanece com combates esporádicos envolvendo também as milícias paramilitares de direita, responsáveis pela maior parte dos homicídios políticos; os dissidentes das Farc que não aderiram ao acordo de paz, e os grupos de narcotraficantes. Apesar do cenário conturbado, em 2019 a Colômbia recebeu 4,5 milhões de turistas estrangeiros, atraídos pelas belezas do país e pela relativa segurança das principais cidades e da costa caribenha. Se a crise do coronavírus se prolongar, pode haver uma catástrofe para essa atividade econômica, preveem empresários do setor.  

A falta de dinheiro para pagar o aluguel, levou Miguelito, que trabalha como reciclador, assim como outros milhares de colombianos, a viver nas ruas.

A temperatura política subiu no início de maio com a divulgação de um escândalo de ciberespionagem pela revista Semana. Conforme a publicação, o Exército colombiano monitorou secretamente pelo menos 130 pessoas, entre jornalistas, políticos e líderes sindicais. Um dos jornalistas espionados é Nicholas Casey, correspondente do New York Times, cujas reportagens abordaram um possível retorno dos “falsos positivos”, o escândalo das execuções de inocentes a quem era atribuída a identidade de guerrilheiros. 
O correspondente do jornal norte-americano passou a ser espionado pela contrainteligência militar, que criou um dossiê mapeando sua rotina e contatos nas redes sociais. Outra vítima dos arapongas é a jornalista María Alejandra Villamizar, analista de Notícias Caracol, que já foi assessora de comunicação em temas de paz nos governos de Samper, Pastrana e Santos. 
No sábado (3), a organização Repórteres sem Fronteiras e a Associação de Imprensa Internacional da Colômbia divulgaram uma nota de protesto contra as escutas, interceptações e vigilância aos jornalistas. A nota pede garantias de segurança aos profissionais e considera “inaceitável” o fato de que, segundo a revista Semana, o governo colombiano sabia da espionagem ilegal desde pelo menos 13 de janeiro e não informou as pessoas afetadas. 
No front econômico, a pandemia tem feito grandes estragos no país andino. Um em cada três empresários do comércio ainda não sabe como vai pagar os salários dos empregados, revelou uma pesquisa da Federação Nacional de Comerciantes (Fenalco). A situação está tão crítica que 38% dos gestores participantes do levantamento estão pensando em fechar as portas ou se declararem insolventes. Somente 6% dos entrevistados tiveram acesso às linhas de emergência do governo. A capital colombiana estima uma contração de até 8% no seu Produto Interno Bruno em função da pandemia.
No dia 26, uma resolução do Ministério do Comércio estabeleceu os subsetores da indústria de manufatura que podem voltar a trabalhar. São eles os de têxteis, confecções, calçados, artigos de couro e madeira, exceto móveis; papel e papelão, produtos químicos e metálicos, maquinaria e equipamentos elétricos. Todas as empresas devem cumprir os protocolos de biossegurança do Ministério da Saúde e cumprir as instruções complementares das autoridades locais. 
* Com informações de Semana, El Tiempo e El Espectador.
 
Depoimento: Gerald Bermúdez
Jornalista e fotojornalista freelance colombiano. Cobriu o conflito armado e processos sociais durante dez anos. Trabalha para meios como Folha de S. Paulo e os suecos Dagens Nyheter, Ottar Magazine, Sverige Dagblat, Ältair Magazine y Sverige Natür.
“Quase dois meses depois da declaração da emergência sanitária na Colômbia por conta da pandemia de covid-19, a situação no país segue o caminho natural de muitas décadas: a iniquidade, o autoritarismo e a fome campeiam.
Várias situações dão ideia do que quero dizer.
Quando se decretou a quarentena obrigatória, muitas vozes começaram a falar da precariedade de quase 70% do mercado laboral colombiano. O governo de Iván Duque lançou um pacote de ajuda que, de forma pouco surpreendente, favorecia os bancos; em vez de tolerar dívidas ou subsidiar montantes adequados para a cidadania, o pacote abria novos créditos com a banca privada. A mesma que, por certo, não cumpriu com nenhuma das exigências de flexibilizar as cobranças já realizadas durante a quarentena. O resultado será a criação de dívidas eternas ou a falência de muitos que não têm como pagar.
A ajuda econômica anunciada pelo governo para os mais pobres terminou sendo distribuído por um sistema eletrônico repleto de falhas, que beneficiou pessoas inexistentes. Em Bogotá, a falta de comida obrigou milhares de pessoas a bloquear as ruas. A resposta da prefeitura foi continuar anunciando ajudas que não chegam a todos e endurecer o discurso, acusando os manifestantes de estarem sendo utilizados por políticos de oposição. Enquanto isso, a fome continua a aumentar. 
A partir do início da quarentena, o governo nacional foi enfático em afirmar que não tem dinheiro suficiente para enfrentar a crise econômica e social derivada da pandemia, mas ao mesmo tempo, aprovou quase 3 milhões de dólares para renovar as camionetas a serviço da Presidência e quase um milhão de dólares para uma campanha de posicionamento da imagem do presidente nas redes sociais.
A tudo isso, se somam os descobrimentos de espionagem por parte do Exército da Colômbia a mais de 130 pessoas, entre elas vários jornalistas colombianos e estrangeiros. Ao menos essa é a cifra que a Revista Semana, de clara orientação governista e de direita, informa em uma revelação que deixou mais incógnitas que certezas. No entanto, esse tipo de ação não é nova, pois no passado foram descobertas operações realizadas pela polícia secreta.
Desde o início da quarentena já foram assassinadas 33 lideranças sociais. A quarentena não tem sido obstáculo para a onda de crimes políticos continue e o governo nacional continua calado diante dessas situações, como se estivessem ocorrendo em Bora Bora. 
A ideia de que a pandemia vai mudar a vida no mundo e que é uma oportunidade para repensar os modelos de produção, consumo e vida talvez seja uma possibilidade em algum país distinto da Colômbia. Aqui o que fica claro é que esta é a oportunidade de muitos para terminar de empobrecer a vulnerável classe média, de controlar a imprensa, de fazer todo poderosa a banca privada, de continuar exterminando líderes sociais e de terminar de matar de fome os pobres, que serão muitos mais.”
 

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