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Leonel Brizola daqui a 100 anos

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Por IELA em 21 de janeiro de 2022

Leonel Brizola daqui a 100 anos

Foto: Ana Nascimento/ABr

Não hesitarei em abordar os motivos históricos do fracasso de Leonel Brizola por não ter chegado à presidência da República. Foi governador duas vezes no Rio de Janeiro e uma vez no Rio Grande do Sul. 
É difícil apontar depois da morte de Leonel Brizola o nome que conduzirá o seu legado adiante. Não só por faltarem líderes com suas qualidades subjetivas, mas também por causa da inexistência de partido político com programática nacionalista e anti-imperialista. 
O líder precisa de partido e o partido é moldado pelo líder. 
Neste cerimonial elegíaco que se chama efeméride eu quero sublinhar o desconhecimento, para não dizer a ignorância, sobre o homem e sua atuação na história do Brasil depois de findar a Segunda Guerra Mundial. 
Nascido em 1922 entrou na política em 1945, ano-chave no Brasil e no mundo. Ponto de inflexão na história do capitalismo e do imperialismo. Não se esqueçam de que é nessa data que surge a televisão norte-americana que será fundamental em todas as formas eletrônicas da comunicação até o Whatsapp. 
Sobre Leonel Brizola o que se fala é ligeiro e superficial, quase sempre oportunista e patoteiro-eleitoral, o que reverbera um sentimento de rechaço psicológico por ter sido o que ele foi, um caráter forte e obstinado, muitas vezes dando murro em ponta de faca. É isso o que pensam os falsos brizolistas do amável clube trabalhista com visão anedótica. E mais: não desgostaram de sua morte, aliás muita gente se deu bem depois da morte dele, trapaceando com o seu nome.
A artimanha vídeo-imperialista cogitou sobre o caráter transitório do homem que tinha talento para a liderança, mas que iria durar pouco sua influência porque não tinha um partido de massa estruturado na classe trabalhadora. Era isso o que se dizia de Leonel Brizola quando ainda estava vivo e lhe tiraram o PTB getuliano, ficando em São Paulo à deriva, o que ensejou a rachadura feita por Ivete Vargas com Golbery na criação do PT com o seu rival na figura de Luiz Inácio Lula, ou seja, “irmãos inimigos” na classe operária como dizia Karl Marx. 
O drama de Leonel Brizola anunciava-se com inveja de suas qualidades pessoais, e ao mesmo tempo, defrontando com as condições objetivas adversas. Capacidade subjetiva e obstáculo objetivo intransponível – essa era a fatalidade vista com júbilo por gente que não o queria no poder. Um pesadelo para a classe dominante e subalterna ao imperialismo.
De um lado apagar o brilho excepcional de um líder comprometido com a emancipação popular; por outro lado, apostar que sua morte arruinaria por completo o PDT, ou seja, torná-lo um partido pequeno-burguês medíocre como qualquer outro submetido ao vaivém oportunista das conjunturas. O combate foi implacável. O inimigo do imperialismo e de seus aliados internos infestados no Judiciário, Igreja, Universidade e bancos. 
Acrescente-se que o operariado videoidiotizado e sem consciência de classe ficou sem olhos e ouvidos para perceber a vocação socialista revolucionária do líder gaúcho. Sem incorrer no risco de personificar os acontecimentos, dir-se-ia que o golpe de 64 almejava cortar sua cabeça, mas a cobra, como diz o povo, não morreu. Os milicos golpistas confabularam sobre o retorno de Leonel Brizola ao país: um assunto de segurança continental. 
João Goulart não conseguiu retornar com vida, morreu no exílio, não o deixaram chegar à pátria para morrer, uma violência inominável. Formou-se uma cirandinha com João Figueiredo, Ernesto Geisel, Costa e Silva e Sílvio Frota. 
E aí, Leonel Brizola volta ou não volta? 
A reunião ressentida dos covardes. Os milicos atônitos com a bravura, a intrepidez, a galhardia demonstradas com a Campanha da Legalidade. O desafio de enfrentar a própria morte em Porto Alegre no ano de 1961. O último acontecimento em que o povo participou de fato da história do Brasil. Os historiadores dizem que o grande lance foram as Diretas Já. Não foi, não têm a mesma magnitude histórica da subversiva Campanha da Legalidade.
Os militares ficaram aturdidos e vexados porque não tiveram a oportunidade de comando. Complexo de inferioridade em relação a Leonel Brizola. Nas Forças Armadas, um militar que passa a vida toda sem voz de comando é um militar pela metade, não é um militar autêntico. Então, Leonel Brizola, embora civil, foi um homem que teve comando, o governador comandou a Aeronáutica no Rio Grande do Sul.
Ainda que sem saber dos meandros da dialética hegeliana sobre o senhor e o escravo, há certamente na oficialidade anti-brizolista o ódio e a inveja em relação ao político civil valente, como dizia José Walter Bautista Vidal.
Desafiar a própria morte. Essa ousadia que figura no hino nacional molda a psicologia do militar. A carreira militar coloca sempre a questão da morte do soldado. O militar é quem se prepara para a guerra, na qual se destaca a capacidade de comandar das tropas. Note-se que os generais bolsonaristas não tiveram voz de comando, apenas na favela atuaram como policial e na péssima conduta no Haiti. Não foi a rigor uma prática militar, e sim um conluio miliciano/pecuniário. 
Os militares entusiastas de Jair Bolsonaro, evocando a melancólica memória de Sílvio Frota, defenderam a tortura. O deputado federal havia sido expulso do Exército por ser mau soldado, segundo o general Ernesto Geisel. Fato é que a tortura e a indisciplina militar, aos olhos dos comparsas de Sílvio Frota, foram vistas como virtude pelos militares que compuseram a cúpula do governo de Jair Bolsonaro. 
Quanto ao outro lado progressista da história, há que se pôr em relevo, que de todos os presidenciáveis ou presidentes da República desde José Sarney, Leonel Brizola foi o único que ambicionou valer-se do poder para revolucionar a sociedade, mas não chegou ao Palácio. O seu desejo foi interrompido, mas esse desejo de poder, isto é, de tomar medidas a favor do povo e simultaneamente alterar as relações externas do Brasil, foi enfaticamente anunciado em sua programática.
A tibieza é a característica psicológica de todos os políticos que chegaram à presidência da República. Chegam resignados, com medo, pusilânimes e impotentes. Nada a fazer que não seja cumprir o ramerrame inerte e burocrático.
Leonel Brizola tinha por costume referi-se ao monopólio da comunicação prometendo cortar as pernas desse modelo televisivo. Mais ousado ele foi: vamos alterar a relação do país com os centros econômicos mundiais. Vamos mudar o modo pelo qual o Brasil se relaciona economicamente com os centros do capitalismo. Governador no Rio Grande do Sul enfrentou o poder das multinacionais.
Leonel Brizola nada tinha de bravateiro, encampou a ITT e a Bond and Share, tomou medidas anti-imperialistas antes mesmo de Fidel Castro na Cuba revolucionária. Medidas anti-imperialistas a tal ponto que no Congresso dos Estados Unidos promulgou-se uma lei contra a expropriação nacionalista de empresas norte-americanas tomando como exemplo a atitude do governador do Rio Grande do Sul. Quem é esse governador petulante e metido a besta? Esse sujeito tinha que ser cortado da vida pública e ficar longe do poder, segundo o Pentágono. 
O imperialismo, sabemos todos, não perdoa o espírito insubmisso que se insurge contra a sua dominação. Leonel Brizola percebeu que o obstáculo à autonomia do país eram as “perdas internacionais”. A situação mundial condiciona e determina o que o país é na economia e na cultura. Colônia submissa e dependente. Dizia que nosso país era uma “colônia específica”. O que vem a ser uma colônia específica? Uma colônia é uma colônia em qualquer lugar, mas por que específica? Por que esse traço diferencial do Brasil?
Em sua fortuna crítica deparamos com os autores que abordaram a trama das relações coloniais, Paulo Schilling, Andre Gunder Frank, Franklin de Oliveira, Edmundo Moniz, Darcy Ribeiro, Getúlio Vargas. Eu acho que foi pelo saber de experiência feito, como dizia Luiz Vaz de Camões, no comando do Executivo gaúcho, lidando com a prática de governar o Rio Grande do Sul, inteirou-se do mecanismo das perdas internacionais. O trato com o poder regional. Interpretou a Carta Testamento como um dramático documento anti-imperialista. Mirou o inimigo do povo e por isso não teve vida fácil. Volto a afirmar que a sua entrada na política se deu no ano de 1945. 
Ele disse várias vezes, cotejando Collor, JK, FHC e Lula, que não era para qualquer um defender o povo brasileiro. Tinha que ter garra, coragem e convicção. Certa feita afirmou, não sem ironia, que o golpe de 64 havia sido dado por telefone. Um golpe dado por telefone, o que significa isso? Não foi com tanque, foi pelo telefone. Nenhum tiro foi dado para se tomar o poder. 
Curiosamente há telefone na Campanha da Legalidade, mas esta foi feita pelo rádio, de início radioamador de seu amigo João Carlos Guaragna em Porto Alegre. Creio que é com a metodologia de Leonel Brizola que se deve entender o que é o papel medonho de Jair Bolsonaro na história do Brasil. Trata-se de um personagem ex-nihilo? Quando surgiu nas Agulhas Negras fazendo reuniões e conspirando, Leonel Brizola não estava mais em cena. Fato é que Jair Bolsonaro não foi perseguido na pós-ditadura, então por que ser revanchista com FHC, Lula e Dilma? Não consta que tivesse sido importunado pelo poder. Ao contrário, foi paparicado e deputado federal acumulou bastante dinheiro. 
A mim não me agradam as efemérides porque o que nelas prevalece é o tom panegírico. Quanto à vida de Leonel Brizola, não podemos ser perfunctórios, temos de tocar em coisas espinhosas, temos de levantar questões difíceis. Evitar a pieguice sentimental da parte de seus admiradores que lhe rendem homenagens edulcoradas e tediosas, nas quais o passado nunca é reconstruído de modo crítico. 
Ninguém foi tão ciente da importância do passado em um país colonizado. Vinha de longe desde os ecos getulianos da Revolução de 30, ainda que desconfiasse da escrita dos historiadores. Para a compreensão histórica não basta o depoimento de quem o conheceu de perto ou na intimidade familiar. 
Em se tratando dos grandes homens o prisma familiar mais atrapalha que ajuda o entendimento, ainda mais no caso de um líder que gostava mais dos filhos do povo. Gostava mais dos filhos do povo do que dos próprios filhos. As fotos com as crianças abraçadas por ele são reveladoras do amor pelos filhos dos pobres. Talvez esteja aí um bom critério para avaliar o que é um bom político: gostar mais dos filhos do povo que dos próprios filhos. 
O legado dele não é sanguíneo nem hereditário tal qual o segredo guardado pelo charuto de Getúlio Vargas. Isso pode ser estendido em termos de esfinge até na relação mantida por seus discípulos, inclusive os apóstatas que se converteram em ex-brizolistas sem refutarem as ideias do mestre. Discípulos que queriam matá-lo por não terem a mesma vocação política. 
O requinte recorrente da traição, do ressentimento mesclado ao ódio contra quem foi generoso na didática militante. A magnitude da traição política se revela na mediocridade dos ex-brizolistas. Estes foram extremamente mesquinhos em relação ao mestre. Os discípulos invejosos diante da grandeza do mestre. Por isso não conseguiram alçar voo político.  
É evidente que Leonel Brizola queria perdurar no tempo, permanecer na lembrança, ficar na memória, mas não pelo registro da escrita, e sim pelo registro oral, pela tradição do boca a boca, que é a característica fundamental na escuta folclórica do Rio Grande do Sul. É por isso que recusou a escrever sua vida política, sua biografia, sua memória. Nem descolou alguém para escrevê-la. Não pagou escriba para registrar seus feitos. A fala popular é que iria traçar sua biografia. Nesse sentido é a transmissão oral que o define. Sem partido vigoroso, sem recursos financeiros, acreditava que poderia convencer o eleitorado pela fala, pela voz, pela dicção. O povo dizia: se deixar o homem falar, ele chega lá. 
Mas não se trata do falastrão, do que fala muito sem dizer nada, que é a característica distintiva do político brasileiro. Até hoje rola por aí a interpretação equivocada acerca de sua voz pausada. Leonel Brizola teria falhado porque o rádio foi substituído pela televisão como meio de comunicação. A sua linguagem não teria acompanhado a rapidez exigida pelo tempo comercial da televisão. O discurso do rádio mais lento. A exigência do “próximo bloco”, a interrupção do tempo, enfim, a mercadoria televisiva não teria deixado Leonel Brizola exercer sua capacidade linguística. 
Trata-se de uma interpretação midiológica indiferente à eloquência de sua voz entre a palavra e o gesto, interpretação que condiz com a perfídia dos entrevistadores de televisão. Às inúmeras interdições de que foi vítima acrescente-se a repressão linguística: não deixar a articulação da fala com o pensamento. Os entrevistadores lhe interrompiam, o que não acontecia com os outros políticos. O audível de sua fala foi suprimido, censurados os fonemas da língua falada. Leonel Brizola despertava ciúme doentio por causa de sua dicção. 
Na colônia não se permite a expressão livre do pensamento, por isso é que somos, no dizer de Oswald de Andrade, a babel do vocábulo impróprio. Quantas vezes não ouvimos a resposta errada para a pergunta se fulano acredita ou não em Deus. A resposta é: sou agnóstico. Isso é um erro. Agnóstico é quem não sabe, não é quem não acredita. Agnóstico não é aquele que é ateu, mas aquele que não conhece. O vocábulo impróprio rege não só a comunicação de massa. 
Lembro Monteiro Lobato: o brasileiro só gosta daquilo que não entende. Homem ágrafo e analfabeto, ou bacharel com seu psitacismo jurídico típico da UDN e do Supremo Tribunal Federal. Daí a anacolutia, o vazio conceitual de que levou um certo Michel Temer à Presidência. 
Daqui um século quando o Rio de Janeiro tiver um outro nome, provavelmente um nome gringo, haverá a lembrança de que depois da morte de Leonel Brizola sumiu a palavra “povo” do léxico dos políticos. Ninguém mais fala isso. O povo sem Leonel Brizola é a psicologia da língua presa bolsonarista. 
O alfabeto imperialista é o da venda do território. Com a venda do território não se pisa mais em terra nossa. É o mapa sem povo. É o momento derrelito da afasia colonial. A língua sem sol e água. A palavra é o elemento essencial do livro que se chama A Fala de Leonel Brizola. A existência de uma brizolália converte a palavra em gesto. O logos brizolista é sonoro ao traduzir o conceito de imperialismo para “perdas internacionais” da economia. Seguramente Vladimir Lênin, o autor do conceito de imperialismo em 1916, iria concordar com a percuciência linguística do líder gaúcho. 
Destarte, a oposição à expressão “perdas internacionais” foi a mais recorrente nas fatídicas eleições de 1889 em que venceu o caçador de marajá coadjuvados por Luiz Inácio Lula e o dono da TV Globo. Se acaso me perguntassem, em se tratando de jovens que sejam curiosos, como conhecer o significado de Leonel Brizola estudando o que ele viveu, pensou, falou, agiu e lutou durante mais de meio século, eu diria sem escarnecer que o estudo deveria começar pela Campanha da Legalidade em 1961, a caravela subversiva de Porto Alegre. É que toda história do Brasil, inclusive a história do futuro, está condensada em Leonel Brizola como personalidade representativa do que somos e do que podemos ser. 
Há um paradoxo que não me furto a sublinhar: é que não se conhece lendo-o porque não escreveu livro algum, mas não foi senão estudando a história do Brasil que me tornei brizolista. Antes de encontrá-lo pessoalmente no Pasqualini no Rio de Janeiro. O dia em que tive a honra de ter sido filiado por ele. Almoçamos em um restaurante próximo à sede do PDT. Fiquei impressionado com seu interesse pela cultura do Rio Grande do Sul, Moysés Velhinho e outros ensaístas, inclusive Érico Veríssimo, a respeito do qual disse-me que era amigo de sua mulher, Neusa Goulart, ressaltando que Érico nunca se aproximou do trabalhismo varguista. No que chegou à mesa o bacalhau, regado a um bom vinho branco e tinto, ele virou-se para mim rindo discretamente: “Professor, põe azeite no bacalhau. Nosso Lula come bacalhau sem azeite”. Eu saquei ali, nessa referência culinária, que havia embutida uma semântica política. 
Nesse almoço atinei para o quão pérfida era a fofoca sobre o gaúcho tosco, rude, inculto. Leonel Brizola era um homem finíssimo, sabia comer, sentar à mesa. Acudiu-me durante a conversa o dito do padre Antônio Vieira: quem não é dócil não pode ser douto, ou seja, instruído segundo a origem etimológica do termo. Curiosamente nunca o chamavam de “doutor”. Quem recebia esse tratamento era Tancredo Neves, doutor Tancredo para lá, doutor Tancredo para cá, Tancredo Neves, como dizia Leonel Brizola, integrava “a turma do diploma”, os bacharéis de Direito e, em seguida, os bacharéis de Ciências Sociais. A acrimônia pesada contra Leonel Brizola não vinha apenas do Judiciário a exemplo de José Francisco Rezek, o ministro do Collor que contou os votos para ele chegar em primeiro lugar nas eleições de 1989. Rezéqui havia sido juiz no Rio Grande do Sul logo depois do golpe de 64. 
Enfim, a perseguição vinha de tudo quanto é lado, dos jornais, da televisão, da Igreja, das multinacionais, dos fazendeiros, do Pentágono e até mesmo dos professores nas universidades. Os professores continuam tendo uma visão póstuma deturpada de Leonel Brizola. A universidade nunca tolerou o Leonel Brizola secularizado. Contam-se nos dedos os professores, antes e depois da UDN, que não foram engambelados pela didática do Pentágono anti-Leonel Brizola. O homem nunca havia lido um livro, um néscio que não sabia língua estrangeira, nem mesmo espanhol mal falado em sua fazendola do Uruguai, homem que virou latifundiário num latifúndio que se perdia de vista tão grande que era. Lembro naquele almoço a pergunta que lhe fiz, se não deveria na volta do longo exílio ter entrado por São Paulo, onde está concentrado o proletariado brasileiro com seus sindicatos, em vez de aportar no Rio de Janeiro com a exígua classe operária. A resposta foi um tanto quanto nebulosa e para mim insatisfatória: “Olha professor, muita gente tem me perguntado sobre isso”. Aí a conversa tomou outro rumo. 
Pode ter sido um disparate a pergunta, mas é que nas reuniões no Pasqualini quase não havia operário ou trabalhador, e sim uma classe média composta de uma pequena-burguesia desescolarizada. Longe de mim romantizar o proleta-brizolista dotado de consciência política na fábrica e no sindicato, mas é que as eleições mostravam que a São Paulo fabril, não admirava Leonel Brizola. Ele se viu várias vezes em meio a terríveis aperreios para buscar um aliado paulista. Era difícil fisgar alguém em São Paulo que tivesse simpatia política por ele. A verdade é que São Paulo cortou o voo de Leonel Brizola. A tradição anti-brizolista se alimentou da tradição anti-getulista, não obstante Getúlio Vargas ter sido eleito senador por São Paulo. É que em São Paulo os órgãos da imprensa nunca perdoaram Getúlio Vargas por ter fechado o Estadão. O jornalista Claudio Abramo dizia que os donos do Estadão gostaram desse fechamento porque isso deu lucro para o jornal. Claudio Abramo ergueu as finanças tanto do Estadão quanto da Folha de São Paulo. 
Na dinâmica desigual das regiões São Paulo foi ponta de lança do imperialismo norte-americano para derrotar Leonel Brizola. O desejo brizolista foi tripudiado pela burguesia bandeirante internacionalizada que drena para si o excedente de outras regiões, segundo o diagnóstico feito por Andre Gunder Frank em O desenvolvimento do subdesenvolvimento. Os doutores da USP não toleravam a crítica anti-imperialista de Leonel Brizola, um dos primeiros, junto com o brizotrotskista Edmundo Moniz, a perceber que o golpe de 1964 foi uma iniciativa da Fiesp que prejudicou a economia do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. A mesma coisa dirá o polígrafo Franklin de Oliveira num livro famoso sobre o atraso do Rio Grande do Sul, aliás prefaciado por Leonel Brizola. 
O café industrial é um compósito de capitais originados de várias regiões. Não é capital autóctone paulista, consoante Andre Gunder Frank que era especialista em agricultura russa. Ele desfez a tese sobre o narcisismo do café propulsor do progresso de São Paulo como uma planta endógena da burguesia bandeirante. Fato é que de Castelo Branco a Jair Bolsonaro, todos os presidentes da República, foram puxados pela locomotiva anglo americana de São Paulo. 
Quem enterrou de vez o separatismo paulista (muita gente boa como Mário de Andrade e Monteiro Lobato, embarcaram nessa viagem geoesquizóide) foi o golpe de 64 que amarrou São Paulo definitivamente às regiões pobres com a acumulação industrial prelúdio da rentista. Por conseguinte não mais haverá em São Paulo intelectual a favor do separatismo. 
Eu não poderia afirmar que São Paulo estaria em melhores condições sob o signo brizolista, isto é projeção imaginária do que poderia ter sido a relação de São Paulo com o resto do Brasil. Em política, dizia Leon Trotsky, é preciso partir do que existe, e para Leonel Brizola o que existiu como fato objetivo foi o golpe de 64 desfechado pela burguesia bandeirante da Fiesp sob os auspícios da Casa Branca, conforme as argutas interpretações no calor da hora, elaboradas por Edmundo Moniz. 
Nada há de significação translata quando se acentua a continuidade paulistocêntrica de Jair Bolsonaro. Depois de 50 anos de telenovela e de programa de auditório, as urnas colocaram o “socialismo moreno” como a fonte do mal. Com o trespasse do líder trabalhista os partidos políticos enterram a palavra “imperialismo”, ou seja, a transferência da riqueza da periferia para os núcleos metropolitanos. Aí começou a maledicência de que o velho Briza andava meio gagá em sublinhar as perdas internacionais da civilização brasileira.
 

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