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Venezuela: um caminho aberto para o novo

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Por IELA em 29 de dezembro de 2004

Venezuela: um caminho aberto para o novo29/12/2004 – A primeira edição das Jornadas Bolivarianas, na UFSC, em Florianópolis/SC, trouxe a discussão sobre a nova Constituição da Venezuela e as várias facetas do poder popular. O pesquisador da UFSC, Luís Vicente Vieira, que esteve na Venezuela durante o processo constituinte, contou como se deu toda a caminhada que desembocou na constituição bolivarina. Segundo ele, em 1998, o então candidato a presindente, Hugo Chávez, tinha como principal bandeira de campanha a realização de uma Assembléia Nacional Constituinte. Dizia que, nela, todos teriam voz. Foi com essa promessa que ele viajou todo o país, encantando boa parte da população que já havia perdido todas as esperanças no processo institucional. Os dois maiores partidos não davam mais conta dos anseios do povo e muito pouca gente acreditava que a mudança pudesse vir pela via do voto. Mas, por algum motivo, as gentes da Venezuela acreditaram na palavra de Chávez e ele não decepcionou.
A vitória em 1998 marcou o início de uma nova fase no país. Seis meses depois de empossado, Chávez chamou um referendo para que a população dissesse se queria ou não uma assembéia constituinte. A Venezuela disse sim e, pouco tempo depois, aconteciam as eleições para a constituinte. Mais de 90 pessoas foram eleitas exclusivamente para elaborarem a nova constituição. O trabalho durou seis meses e foi apresentado à população que, mais uma vez, através de um referendo, votou, aprovando a nova carta magna com mais de 70% dos votos. Depois de terminado esse processo, era a hora de todos os cargos eletivos do país passarem por nova consulta popular, inclusive a própria presidência. A Constituição instituia muitas novidades, novos poderes e lá foi o povo da Venezuela votar outra vez. Hugo Chávez foi eleito presidente, desta vez sob o signo da nova carta, democrática, popular, libertária e bolivariana.
Segundo Luís Vieira, a Constituição bolivariana tem o caráter de refundar a república da Venezuela, marcar um novo tempo que não acomoda poderes, que não transforma sua carta magna em um documento formal. Nas terras venezuelanas, a Constituição é viva, está encarnada na maioria da população que já não consegue se perceber sem ela, que a defende sob qualquer pretexto, como mostrou no golpe de 2002. “A Constituição bolivariana é uma decisão com respeito a uma forma de existência de uma força política, de uma nova ordem”.
Vieira explica que, no mundo liberal, a soberania de uma nação está no parlamento e não no povo. É a chamada democracia representativa. Já o modelo venezuelano recupera elementos da democracia direta, superando o sistema representativo parlamentar. “O poder está no povo”. E como é que isso aparece na lei? Através de mecanismos legais que legam ao povo, na sua maioria, a decisão sobre os grandes temas nacionais, através dos referendos. O parlamento não pode, por exemplo, mudar um artigo da Constituição, como tem acontecido hoje no Brasil, de forma tão usual. “Toda a mudança precisa passar pelo referendo, ou seja, em última instância, é cada cidadão e cidadã venezuelano quem decide”. Coisas como medidas provisórias – que é forma como Lula tem governado o Brasil – são impensáveis na Venezuela, a não ser num caso de guerra ou emergência.
Outra novidade da Constituição bolivariana é que, ao contrário das Constituições que conhecemos, com apenas três poderes – o Legislativo, Executivo e Judiciário – esta acrescenta mais dois poderes ao universo decisório do país: o poder cidadão e o eleitoral. Isso significa uma mudança radical nas estruturas. O poder cidadão pode, inclusive, a partir de um referendo, acabar com o mandato presidencial, como o que aconteceu agora em 2004. A oposição, derrotada pelo povo no golpe de 2002, recolheu 20% de assinaturas e pediu um referendo revocatório, disposta a tirar Chávez do poder. Fiel aos princípios constitucionais, o presidente submeteu-se ao referendo e o povo disse “não”, num percentual que passou dos 60%. Os venezuelanos entenderam que o presidente estava indo bem e o mantiveram. Esses mecanismo de poder popular são o que tornam a Venezuela um país atípico hoje na América Latina.
O povo e a práxis bolivariana
A professora do Curso de Serviço Social da UFSC, Beatriz Paiva, falou sobre a participação popular no processo bolivariano, que se configura como uma novidade, seja na organização ou na proposta de mundo. Segundo ela, percebe-se um aprofundamento da ação política popular com saltos de qualidade que se revelam na laicização da política, uma vez que a participação das gentes, antes completamente excluídas, é genuína na maioria dos processos de decisão.
Beatriz entende que a práxis bolivariana coloca em xeque coisas que são caras para nós como os partidos políticos e os sindicatos, lá, completamente desmantelados. Os primeiros, por anos e anos de desvinculação com o povo e os segundos, eivados de comprometimento com a ordem, sem respaldo junto a suas bases. Mas, é preciso que se pense o processo da Venezuela dentro dos parâmetros do espaço e do tempo. A conjuntura daquele país é diferente da nossa e, lá, está claro que estão acontecendo outros processos – novidadeiros – e que são outros os atores. Nesse caso, o povo está tendo a chance de ser verdadeiramente protagônico. Como exemplo citou o trabalho dos Círculos Bolivarianos e das Missões que são estruturas de organização e poder popular que não têm como ser comparadas a outras formas de organização em outros países da América Latina. O processo da Venezuela é próprio, tem suas especificidades e aparece como um luzeiro, iluminando possibilidades outras para os demais países do sul do mundo.
A professora lembra que há contradições no processo bolivariano, a dívida externa está sendo paga, a propriedade privada é defendida, a macro-economia segue o caminho ortodoxo. “Mas, em compensação, há ousadias. Há micro mudanças que vão mexendo nas bases, na organização da população em cooperativas e micro-negócios. O caminho está aberto”.

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