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As razões do BREXIT: porquê os britânicos saíram da União Européia?

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Por IELA em 29 de junho de 2016

As razões do BREXIT:  porquê os britânicos saíram da União Européia?

 

Enquanto líderes políticos e empresariais, assim como a imprensa, tentam fazer o rescaldo para entender as razões e as consequências do BREXIT, o plebiscito que levou o Reino Unido a sair da União Européia (UE) em 23 de junho de 2016, cresce um sentimento que é um misto de surpresa com insegurança.
Vivo em Londres desde meados de julho de 2015 e esta é minha segunda passagem pelo país, onde me encontro para um estágio de pós-doutoramento, na City University London. Meu colega e interlocutor, Professor Tim Lang, foi árduo “remain campainer”. Organizou eventos com empresários, pesquisadores, imprensa, escreveu artigos e participou ativamente da campanha. Meu colega, assim como outros britains, consideram o resultado do referendum desapontador e, como eles gostam de dizer, “devastating”.
Mas, porquê, afinal os britânicos resolveram sair da União Européia?
É bom não esquecer que os britânicos sempre tiveram um pé atrás: entraram tardiamente na então Comunidade Européia e não estão entre os signatários do Tratado de Maastrich, que criou a zona do euro e a moeda única.
No Reino Unido, há dois setores sociais que nunca ficaram contentes com a adesão a Europa. Há uma parcela da elite britânica que é saudosista da época do Império. Estes se dividem em dois blocos: o mais radical é o UKIP, Partido para a Independência do Reino Unido, liderado pelo radical Nagel Farage. O outro, mais soft, está alojado dentro do partido conservador. Ambos não descansaram enquanto o agora ex-primeiro-ministro David Cameron, convocasse o referendum.  O segundo é um setor social mais amplo, não organizado formalmente, e se espalha do meio para o norte da Inglaterra, tendo como centro a cidade de Birmingham. Este setor também tem ressonância no País de Gales. Nestas regiões a população enfrenta um processo lento e longo de desindustrialização, muitas cidades estão estagnadas a décadas. Foram estes setores que se identificaram com o bordão “lets take back control” (retomar o controle) e deram a vitória aos que propunham “Sair” (leave).
Mas há outros fatores que precisam ser mencionados para se entender o voto de ruptura que levou ao divórcio entre Inglaterra e União Européia.
Primeiro e acima de tudo: os britânicos votaram contra os migrantes e o risco que eles representam ao sistema de seguridade social (expresso no papel da NHS, um SUS melhorado e que funciona) e as conquistas do welfare-state do pós II Guerra. Não é sem razão que um dos argumentos mais contundentes de Boris Johnson (escritor de livros e ex-prefeito populista de Londres) e o grupo dos conservadores que queriam a saída bradavam na campanha que o Reino Unido deveria parar de enviar 350.000 milhões de pounds por semana para Bruxelas enquanto os junir-doctors da NHS fazem paralizasões. O cidadão comum, especialmente os acima de 60 anos de idade (que são um expressivo grupo da populacão), votaram em defesa de seus direitos. Para estas pessoas, o discurso populista da elite conservadora que acusa Bruxelas por todos os males foi convincente. Com medo, o voto dos britânicos que vivem fora de Londres e em áreas economicamente deprimidas, optaram por culpar os migrantes e acham correto restringir o acesso de mais e mais famílias da Polônia, da Romênia e outros países ao seu sistema de seguridade social.
A segunda razão pela qual os britânicos decidiram se afastar da União Européia se deve o fato de que as pessoas simples não sentem as vantagens de estarem em um bloco econômico supranacional. Tirando o apoio aos agricultores, que recebem subsídios da União Europeia na forma de pagamentos diretos, os demais cidadãos comuns do Reino Unido não percebem ganhos em estar na EU. A imagem que o britânico de meia idade e do interior têm da União Européia é a de burocratas que fazem leis e criam obstáculos. A Europa falhou na comunicação e na relação com os europeus, fenômeno semelhante pode ser observado em muitos outros países, e talvez até estimule mais intentos de ruptura (líderes continentais já anunciaram que vão defender a realização de plebiscito, com a direita francesa, Marie Le Pen, avant garde). Os burocratas de Bruxelas fazem ouvidos moucos as críticas do povo e os líderes políticos nacionalistas tem sido ágeis em capitalizar este descolamento entre a base social e as elites. Boris Johnson, virtual líder do Partido Conservador e forte candidato a suceder Cameron, centrou a campanha pelo “leave” apontando que a EU é distante do povo e nenhum de seus líderes executivos é diretamente eleito para os cargos.
A terceira razão pela qual o voto para sair da União Européia ganhou o plebiscito está relacionado a um fenômeno curioso, que nem mesmo os sociólogos e os analistas entenderam: houve uma flagrante derrota do status quo britânico!! Todo cientista social sabe que uma sociedade se rege sobre mecanismos de dominação que são manejados por quem detém o poder e exerce o comando. Conhecimento e informação fazem parte destes mecanismos, entre outros. Foi curioso observar aqui no Reino Unido como todos os dispositivos de uso do poder pelos que dominam o status quo falharam. O povo, os eleitores, simplesmente ignorou as pesquisas, os relatórios e os conselhos dos think tankers. Todos falharam na tentativa de dissuadir o voto para sair do bloco europeu. Políticos (tanto da direita como os progressistas), empresários, artistas, esportistas (até mesmo David Beckman apoiou o “remain”), jornalistas e, sobretudo intelectuais e acadêmicos; todos, foram solenemente ignorados. Falharam também as grandes consultorias e assessorias (FMI, Banco Mundial, agências de risco, a The Economist, Financial Times), e até mesmo os líderes internacionais (Obama fez depoimentos pelo “remain”).  O povo simplesmente não deu bola para o que “especialistas” tinham a dizer ou alertar.  Porque isso aconteceu? É preciso investigar. Afinal, no país de Newton, Darwin e Adam Smith, gasta-se uma fábula com a intelligentisia.
Muitos acreditavam que seria pouco provável uma vitória do BREXIT. E a vitória dos 52% para sair (leave) e 48% para permanecer (remain) não foram elásticos. Afinal, os argumentos e as evidências para sair eram frágeis, para não dizer irresponsáveis, como dar a culpa aos migrantes e sugerir que o dinheiro enviado a Bruxelas seria aplicado em hospitais. Sempre se pode dizer que os eleitores não sabem votar, ou votam porque são obrigados. Mas aqui no Reino Unido o voto não é obrigatório e o povo possui elevado grau de escolaridade.
Isso mostra que o povo estava muito insatisfeito com suas lideranças e que o Reino Unido é país dividido entre a rica e globalizada Londres e o resto. O voto para sair da União Europeia também é um recado doméstico.
Ainda que reste muito a ser esclarecido e analisado, há aprendizados imediatos a serem  extraídos deste processo que inicia um divórcio histórico entre o Reino Unido e a União Européia.
Claro que os britânicos não deixarão de ser europeus apenas por não estarem num bloco econômico. Mas não há dúvidas que as relações econômicas, políticas e o turismo ficam mais complicados. Quanto? É isso que todo mundo se pergunta.
Também fica como aprendizado que no século 21, apesar de toda a tecnologia e conhecimento disponíveis, ainda não se consegue antever o que significa uma aparente calmaria. Quem poderia esperar que esta ruptura ocorreria? Nem mesmo David Cameron, que apostou suas fichas e perdeu seu cargo.
O momento atual é de interrogações, pois na prática se esperava que a saída não aconteceria. Por ser inesperado, não há “mapa do caminho” para trilhar. O artigo 50 da EU será acionado pela primeira vez. Cameron disse que ele não está apto a ser o capitão a levar adiante a nau. Jean-Claude Junker, presidente da União Européia, quer iniciar logo o desenlace. Resta saber como os europeus vão reagir, pois eles são o lado traído desse casamento que chega ao fim. E, como se sabe, o lado traído sempre fica com algum ressentimento.
 

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