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Menos Pode Ser Mais

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Por IELA em 23 de novembro de 2021

Menos Pode Ser Mais

Dos “Limites do Crescimento” (Copenhague, 1972) e do Desenvolvimento Sustentável (Rio de Janeiro, 1992) à Métrica do Carbono (Glasgow, 2021)

O duelo a garrotaços – Goya

Desde finais dos anos sessenta do século passado, quando jovens, principalmente dos países do então chamado Primeiro Mundo, saíram às ruas para denunciar o desperdício – consumismo e armamentismo – dando um colorido próprio que se solidarizava com os negros estadunidenses que lutavam por direito civis, com os povos de terceiro mundo que lutavam pela independência na África e na Ásia, do que a luta contra a guerra contra o Vietnã foi emblemática, e com as mulheres que se viram obrigadas a jogar fora o sutiã para chamar a atenção da opressão do patriarcado. Enfim, ali nascia um novo horizonte de sentido para a vida e a política que apontava para a superação da bipolaridade da guerra fria entre o capitalismo e o socialismo ou, pelo menos, obrigava a que os sistemas políticos em disputa de hegemonia tivessem que repensar suas relações com a natureza, haja vista que o Contrato Social que ambos propugnavam não a incluía, como bem destacou Michel Serres com seu Contrato Natural. Serres nos traz uma obra do pintor espanhol Goya (1746-1828) em que lutadores se movimentam segundo suas regras e, quanto mais se movimentam, mais se afundam, pois não têm em conta o ambiente em que estão. No caso, sobre um pântano.
 
Chegou-se ao paroxismo de, nos anos 1980’, a corrida nuclear protagonizada pelos EEUU e URSS reunirem a capacidade de destruir o planeta 64 vezes, quando bastava só uma. Puro desperdício, até mesmo do arsenal nuclear que, no entanto, demonstrava que a defesa de cada regime societário estava acima da defesa da vida. O historiador E.P. Thompson chamou de Exterminismo esse modus operandi da guerra fria (Thompson, E.P. Exterminismo e Guerra Fria). Enfim, a Polis, a Política, não estava a serviço da Bios, da Vida. Drama de nosso tempo que experimentamos recentemente com a pandemia quando alertas de cientistas descreviam com detalhes a pandemia iminente sem que tivesse qualquer efeito seja nas cúpulas da ONU, seja nas cúpulas do poder privado, como o Fórum Econômico de Davos que, em sua reunião de janeiro de 2020, não elencou qualquer pandemia entre as ameaças futuras para a humanidade (Méndez, 2020; Porto-Gonçalves et al, 2021)
 
De um ponto de vista anti-sistêmico, desde os anos 1960’, um vasto e variegado campo se constituiu desde o movimento dos ecofreaks, dos hippies, enfim, da contracultura até os ecosocialistas. Desde então, uma série de práticas de ajuda mútua e de busca de outras relações com a natureza surgiram como um movimento social profundo que busca outros modos de comer, de habitar, de se curar e de se relacionar, ainda que não tenha conseguido encontrar uma diretriz política que colocasse limites ao crescimento ideia que, dominante, continuou a pôr em risco a vida com seu modo de produzir. Trago aqui essa expressão – limites do crescimento – por acreditar que devemos retomá-la para nos situarmos no debate atual, respeitando a própria história do campo ambiental. 
 
Afinal, desde os anos 1970’, que grandes corporações, através do Clube de Roma, então liderado por Aurelio Peccei, da FIAT [1], entenderam que deveriam participar do debate que se abria à sua revelia nas ruas e lançaram, em 1972, seu livro-manifesto: Os Limites do Crescimento. E o fizeram preocupados em disputar uma arena em que se encontravam nas cordas, às vésperas da 1ª Conferência da ONU sobre Meio Ambiente que se realizaria naquele mesmo ano em Estocolmo. Desde então, vêm procurando resolver uma equação difícil de fechar entre Desenvolvimento/Crescimento e Meio ambiente, equação essa reiteradas vezes repetida como um mantra, mas, na verdade, difícil de se materializar. Vejamos essa ideia mais de perto.
 
Na grande maioria das línguas ocidentais, o sentido literal de desenvolver, desarollar, developper, to develop, sviluppare e entwickeln é o de tirar do invólucro, do envelope, do pacote. O mesmo que desembrulhar, desenovelar (tirar do novelo). Enfim, abrir o que está fechado (SCHEIBE e PELLERIN: 1997, 139). No entanto, esse abrir não é orgânico, isto é, do próprio organismo ou algo que vem de dentro e segundo as suas especificidades. Não, o desenvolvimento vem sempre de fora e sempre associado à ideia de crescimento, como um atributo quantitativo que, como tal, é abstrato num sentido muito preciso, o de abstrair do fluxo constante da vida, da relação entre a biota e a biocenose, da relação entre a matéria e a energia. 
 
A demanda de aumento permanente de matéria e energia pelo crescimento/desenvolvimento nasce quando o capital se inscreve no circuito metabólico da produção de mercadorias, com a utilização das moléculas de carbono do carvão mineral como energia da máquina a vapor, o que fez com que se acreditasse na ideia de que não haveria limites para o crescimento. A rigor, a energia fóssil não seria nenhum problema não fosse os fins a que passou a ser destinada. O capital confundiu seu desejo, a acumulação ilimitada, com a realidade com suas limitações. E, mais, reduziu a riqueza a uma representação abstrata, matemática: um equivalente geral, o dinheiro. Com isso esvaziou-se o sentido do conceito de riqueza, que diz respeito a algo que se desfruta que, como tal, não transmite suas qualidades a nenhum equivalente.
 
Depois de ter trazido ao debate “os limites do crescimento” (1972) e a ideologia do “desenvolvimento sustentável” (1987), consagrada na Rio-92, agora a nova mensagem é o combate ao aquecimento global com o mercado de carbono. Estaríamos entrando em mais uma via única que nos é oferecida, como já foram “os limites do crescimento” e o “desenvolvimento sustentável”. Tudo parece indicar que estão nos oferecendo uma nova versão da Lei Lavoisier: “na natureza nada se perde tudo se transforma em” … mercado de carbono.
 
De fato, tudo teria começado com o carbono, com a máquina a vapor da Revolução Industrial expressão que, como veremos, não dá conta de tudo que nela está implicado, haja vista que se trata de algo que é mais que uma revolução técnica, como a expressão Revolução Industrial deixa entender. Na verdade, a revolução industrial se inscreve num processo profundo de transformações que vão das relações sociais e de poder dos homens e mulheres entre si e com a natureza até o que poderíamos chamar de filosofia, com a paulatina superação, pela Ciência, do Teocentrismo da Teologia Cristã que dominava a Europa, cujo fundamento desde o Renascimento até o Iluminismo foi a separação do Homem da Natureza com seu Antropocentrismo que ensejou a ideia-força da “dominação da natureza”. Para isso, é claro, foi necessário mandar os Deuses para os céus e não mais deixá-los povoando o mundo mundano, como era comum no mundo camponês e nos povos outros não-brancos, não-europeus. Afinal, como dominar a natureza se ela é povoada por deuses. A natureza dessacralizada foi, assim, reduzida a um objeto e, como tal, passível de dominação. O Homem Todo Poderoso ocupa, assim, o lugar de Deus Todo Poderoso: o Antropocentrismo. Antropocentrismo que, diga-se de passagem, está longe de representar toda a Humanidade em sua diversidade de classe, de gênero e étnico-racial. 
 
Um dos pensadores mais importantes para entender esse processo foi Francis Bacon (1561-1626). Foi Bacon quem haveria de iniciar a consagração dessas duas ideias constitutivas do mundo moderno que colonizaram o mundo, a saber, as ideias de “dominação da natureza” e “tecnociência”. E Bacon foi mais além dizendo que a “dominação da natureza” deveria ser feita não só com a eficiência e a eficácia da “tecnociência”, mas com uma filosofia masculina. Enfim, construiu-se um paradigma científico com base na ideia da dominação e não do cuidado da natureza. Poucos se dão conta de que a Ciência Ocidental, que tem em Francis Bacon um dos seus próceres, é uma ciência marcada pelo patriarcalismo e que a “dominação da natureza” não está à disposição de todos e todas, mas sim dos sujeitos proprietários privados que, para se afirmarem como tais, haverão de privar outros de propriedade para o que haverão de inventar o Estado Moderno que deverá ter a prerrogativa do monopólio da violência para garantir a propriedade privada que, assim, se torna … natural. Enfim, um sujeito proprietário privado burguês e patriarcal ao mesmo tempo e, fora da Europa, também branco negando a propriedade até mesmo aos homens (varões) de outra cor.
 
Consideremos que a máxima de Francis Bacon da eficiência/eficácia da “dominação da natureza” pela “tecnociência” vai ser reduzida a uma métrica da produtividade, conceito que diz respeito à relação entre o produto obtido numa unidade determinada de tempo. Enfim, de um tempo que se abstrai do mundo, o tempo do relógio. Tempo abstrato, o tempo do relógio, e Riqueza abstrata, o equivalente geral (Dinheiro), serão consagrados na expressão Time is Money que passa a comandar o mundo, cada vez mais, com o capitalismo. Eis a grande dissociação que, entretanto, tal como a fé remove montanhas para extrair matéria e energia alterando o metabolismo da vida em sua busca de aumento da produtividade, conceito que, como vemos, não é nada prosaico por suas profundas implicações filosóficas e, pouco se diz, metabólicas.
 
Passamos a viver, então, sob o fetiche da tecnociência, da tecnologia, o tecnocentrismo. Esquecemos que a expressão Revolução Industrial não é uma simples revolução técnica, mas sim uma Revolução (nas-relações-sociais-e-de-poder por meio da tecnologia) Industrial que, com sua máquina a vapor, provoca uma revolução no metabolismo de reprodução da vida, a princípio com impacto local/regional, ainda que relacionada à dinâmica mundial da economia capitalista que, com essa revolução fossilista, dará um salto que se acreditava ilimitado. Desde então, a produção-reprodução da vida passou a se medir por HP – Horse Power – medida que ainda guarda uma relação com a fase anterior, haja vista que é a força da tração animal, ou seja, um múltiplo de cavalo e não mais o cavalo que vai permitir um aumento exponencial na transformação da matéria. Como vemos, dois conceitos da Física, o de Energia e o de Trabalho, se tornam relevantes social e politicamente por suas implicações no processo de “dominação da natureza”, onde Energia é a capacidade de realizar trabalho e Trabalho é a capacidade de transformar a Matéria. Não há trabalho – transformação da matéria – sem energia. Daí a energia ser a matéria das matérias, se me permitem a analogia. 
 
Elmar Altvater, em seu livro O Preço do Progresso, insiste no caráter fossilista implicado no desenvolvimento capitalista. Marx, por seu lado, intuiu a profundidade do que passava a ocorrer quando chamou a atenção para o fato de que, com a máquina a vapor, o capital se inscrevia no circuito metabólico da produção. Enfim, com a Revolução nas relações sociais de poder por meio da tecnologia da máquina a vapor (Industrial), o capital não mais sacava seus lucros somente com o ganho comercial quando o Dinheiro (D) comprava Mercadoria (M) e vendia a mesma Mercadoria por um Dinheiro Maior (D-M-D’). Não, agora, o capital industrial com seu Dinheiro compra Mercadorias que precisa encontrar disponíveis no “mercado” [2]  – os Objetos e Meios de Produção, além da Força de Trabalho – para, na fábrica, transformar (mudar de forma) numa Mercadoria nova (M’) e, assim, obter um Dinheiro Maior, um Mais Valor (D’). A fórmula geral D-M-D’ se especifica como (D-M {Objetos e Meios de Produção + Força de Trabalho} -M’-D’). 
 
De um ponto de vista ambiental, a grande sacada de Marx foi introduzir o conceito de metabolismo e, ele mesmo, falará de fratura metabólica já indicando as implicações profundas advindas dessa revolução em que o capital se inscreve no circuito metabólico da produção e, assim, submete o metabolismo da vida à sua própria lógica de acumulação ilimitada o que, com certeza, afetará as condições de reprodução da vida. Assim, no âmago da fábrica, o capital industrial (e não mais capital comercial) submete a matéria transformando-a (trabalho, como nos ensinam os físicos) com o uso da energia (capacidade de realizar trabalho, também como nos ensinam os físicos), que é potencializada, com o uso de um combustível fóssil com a máquina a vapor, a um desígnio ilimitado de acumulação que, como assinalamos, se abstrai do mundo mundano que, assim, transforma a matéria fazendo com que “tudo que é sólido se desmanche no ar”, parodiando Karl Marx. 
 
O mundo todo será, assim, envolvido (des-envolvido) nesse processo, com a ampla utilização da máquina a vapor nos transportes ferroviário e navegação transoceânica, cada vez transportando mais matéria e mais energia a maiores distâncias de seus centros de origem para os lugares de transformação industrial. O metabolismo planetário não será mais o mesmo e já se começa a falar, inclusive, de fratura metabólica (von Liebig e Marx). Registre-se o caráter colonial subjacente a essa ordem de coisas que naturaliza a divisão internacional do trabalho que se impõe com níveis cada vez mais ascendentes de demanda de matéria e energia que se destinam aos países centrais do sistema mundo que se configura com base numa economia capitalista. 
 
Essa Grande Transformação (Karl Polanyi) não teria ocorrido sem que o Dinheiro, a Natureza e o Trabalho (a força de trabalho) fossem transformados em mercadorias, o qu [3] e passara a ser o móvel da nova ordem social que se configurava e que colocava a economia no centro da vida e não a economia como compreendia Aristóteles , mas sim uma economia mercantil. Como nem o Dinheiro, nem a Natureza nem o Trabalho são, por natureza, mercadorias foi necessária muita violência para que essa grande transformação se configurasse até para que os objetos e meios de produção e a força de trabalho fossem encontrados livremente no mercado. Dá para sentir no ar que a acumulação primitiva, com toda a violência que lhe é atribuída, é parte da acumulação civilizada na sua na sua expansão ilimitada que, nas suas geografias, implica invasão de territórios outros. Capitalismo e colonialidade caminham juntos.
 
Assinale-se que, até o advento do capitalismo, o mercado sempre fora uma instituição que acompanhara o destino dos povos, em qualquer calendário e em qualquer geografia e, pouco se diz, sempre esteve subordinado a algum princípio ético e moral [4] . A Grande Transformação que então se dera, e que se vai chamar mundo moderno, é que o mercado pouco a pouco se quer livre de valores morais e éticos, seja lá quais forem. Uma liberdade sem caráter. Com isso, acreditou-se que não haveria limites para o uso do dinheiro, da natureza e da (força de) trabalho.
 
Inspirados em Polanyi poderíamos dizer que, com o capitalismo, se instaura uma grande transformação que seria o mercado sem ética ou valores morais. E, com ele, o Moinho Satânico, outra expressão consagrada por Polanyi. Não estranhemos, pois, quando a devastação do planeta tenha adquirido as proporções que colocará o ser humano como uma agente metabólico ensejando conceitos como os de Antropoceno e Capitaloceno. Processo esse de transformação metabólica que se aguça com a segunda Revolução Prometeica que se deu, justamente, com a revolução nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia industrial. Afinal, é com o domínio do fogo e da água, com o calor, que se transforma a matéria que, pouco a pouco, será cada vez desagregada em níveis nanoscópicos, depois de devidamente desagregada epistemologicamente, como na tabela periódica da química, que se aprofunda com o desenvolvimento científico e tecnológico.
 
Enfim, um desenvolvimento científico e tecnológico a serviço da dominação da natureza num mundo de competição e concorrência que olvida do quadro de Goya. Insisto, a rigor, não responsabilizemos os combustíveis fósseis pelo colapso ecológico a que chegamos, nem tampouco o conhecimento científico e tecnológico enquanto tais. Afinal, foi a natureza que metabolizou animais e vegetais durante milhões de anos transformando-os em carvão, gás e petróleo, concentrando o carbono que havia sido metabolizado no ciclo da vida e, assim, sequestrando gás carbônico da atmosfera que, por sua vez, vai proporcionar a vida tal qual a conhecemos, inclusive, a vida humana com as temperaturas adequadas proporcionadas pelo chamado efeito estufa.
 
Por outro lado, o conhecimento científico e tecnológico é obra dos humanos, do tal Homo Sapiens Sapiens que, todavia, não existe a não ser pelas relações sociais e de poder que inventa para si mesmo. Dessas relações fazem parte o conhecimento, seja ele qual for, que o Homo Sapiens Sapiens inventa para seu fazer. As revoluções científicas e tecnológicas não são externas às relações sociais e de poder. São partes dela. A segunda revolução prometeica se deu sob a inspiração da dominação e não do cuidado com a natureza, tendo como objetivo um conceito de riqueza que se abstrai da natureza olvidando o sentido profundo do que seja natureza: o que se faz por si mesmo, naturalmente; que não se domina, a não ser quando se a obedece.
 
Acreditando-se sem limites e buscando um aumento permanente da produtividade por meio da tecnociência o Homo Sapiens Sapiens deu um salto no abismo com a segunda revolução prometeica e as revoluções tecnocientíficas que, desde finais do século XVIII, se sucederam. Nos últimos 50/60 anos vivemos um processo de transformação no metabolismo planetário jamais experimentados em quaisquer outros 50/60 anos da história da aventura humana no planeta! E, mais, foi nesse período histórico que mais se falou em salvar o planeta e sob as promessas dos “limites do crescimento”, do “desenvolvimento sustentável” e, agora, da métrica do carbono.
É preciso muita ideologia, e hoje são poderosos os meios corporativos de comunicação para veiculá-la, para se reduzir o colapso ambiental planetário em curso ao aquecimento global, cuja solução à vista (e a prazo ) [5] é o mercado de carbono.
 
O aumento do efeito estufa é um efeito não dos combustíveis fósseis, mas dos fins a que foi submetido o uso dessa fonte de energia. A ideia de Desenvolvimento/Crescimento dissociada das condições metabólicas da vida, com todas as implicações das abstrações resumidas no equivalente geral, é que é o X do problema. Tudo indica que, mais uma vez, o poder das corporações, e dos estados que as cortejam, esteja nos conduzindo à mesma disjuntiva: a Bolsa ou a Vida!
 
Não se veja em nosso argumento nenhum negacionismo da Ciência. Sabemos que as temperaturas do planeta estão aumentando. Entretanto, desconfiemos daqueles que, em nome da Ciência e que se jactam contra os negacionistas da Ciência, olvidam que o aquecimento global é parte do colapso ambiental global em suas múltiplas escalas e dimensões. Não reduzamos um fenômeno complexo, como o colapso ecológico global (Marques, 2018) em suas múltiplas escalas, a uma verdade simplificadora, mesmo com o derretimento dos glaciares, o aumento da temperatura global e seus filmes-catástrofes cientificamente sustentados. Essa não é uma verdade que se pode compreender ignorando o que sejam mitos, como o de desenvolvimento e o decrescimento, ignorando as relações sociais e de poder que lhes dão sustentação.
 
Quanto de energia não-fóssil será necessária para transformar a matéria em mercadorias, inclusive autos elétricos, cujo Deus Mercado diz necessitar crescer em nome de uma ideia, inalcançável, de que todos poderão participar do banquete! Não façamos promessas de Desenvolvimento/Crescimento que não poderemos cumprir ! [6] Ou será esse o horizonte que o tal Mercado (leia-se, o Capital) nos oferece que, como todo horizonte, se afasta à medida que dele tentemos nos aproximar e, assim, caminhamos. Tudo indica que entre nós e esse horizonte tenhamos um abismo. Baixemos a bola! Há hora em que menos pode ser mais … vida! Mahatma Ghandi já havia alertado: “para desenvolver a Inglaterra foi necessário o planeta inteiro. O que será necessário para desenvolver a Índia”, perguntava.
 
Notas 

[1] Não perguntemos quantas unidades de carros a FIAT lançou contra o planeta desde então.
[2] E quanta violência será necessária para tornar a natureza e o trabalho em mercadoria encontrável naturalmente no mercado.
[3] Aristóteles (384 A.C. a 322 A.C.) vivera em Atenas em uma época em que a economia mercantil tivera pouca relevância e, por isso, teria sido, segundo Karl Polanyi, o grande teórico da economia como prática para garantir a vida enquanto produção-reprodução de valores de uso. Daí, para ele, a economia seria tudo aquilo que dizia respeito à administração da casa, do Oikos, Eco.
[4] Assim, não podemos confundir, como vem sendo comum, mercado com sociedade capitalista. Insistimos, em companhia, de Karl Polanyi que o mercado é uma instituição social que, ao longo da história em diferentes geografias, sempre esteve subordinado a princípios éticos e morais. O que o capitalismo estaria nos levando é ao mercado sem valores éticos e morais. Isso se torna mais acentuado quando o Dinheiro passa a ser, ele mesmo, Mercadoria e não mais um simples meio de troca. Ganhar Dinheiro com Dinheiro faz com que se perca o sentido de troca social, com seus valores éticos e morais, que sempre impregnou, de uma forma ou de outra, os mercados, ou melhor, as sociedades.
[5] Haverá prazo?
[6]  O Painel do Clima da ONU disse recentemente que não há mais espaço para o crescimento, mas o Banco Mundial e o FMI seguem defendendo o «crescimento sustentável» (Mestrum, 2021). Um eufemismo para continuar crescendo, o que, convenhamos, é inerente à lógica da acumulação de capital. Capitalismo sem crescimento é igual a um logaritmo amarelo. “Com um crescimento econômico mundial em torno a 3%, a economia poderia duplicar em menos de 25 anos. Até uma criança pode ver que desta maneira serão alcançados rapidamente os limites planetários, certamente se o crescimento da população continua também. Portanto, o crescimento ficaria descartado e o sistema econômico atual, obsoleto. Outro estudo do Banco Mundial, afirma que não será tão fácil mudar completamente em direção à energia limpa. Se queremos alcançar o objetivo de um aumento máximo da temperatura de 2 °C, serão necessários mais de três bilhões de toneladas de minerais para a produção de energia limpa até 2050”, como argumenta Francine Mestrum. Sabemos qué, pero ¿sabemos cómo? Estrategias de sostenibilidad- Francine Mestrum. ALAI, 30 de outubro de 2021.
 

 
Referências
 
Altvater, Elmar. 1994. O Preço do Progresso. Edunesp, São Paulo.
Brundtland, Gro. 1991 [1987]. Nosso Futuro Comum. Ed. Fund. Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.
Marques, Luiz. 2018. Capitalismo e Colapso Ecológico. Ed. Unicamp. 3ª edição, São Paulo
Meadows, D. et al. 1972. Os Limites do Crescimento. Ed. Perspectiva, São Paulo.
Méndez, Ricardo. 2020. Sitiados por la Pandemia: Del colapso a la reconstrucción: una geografía. 2ª edición. http://revives.es/publicaciones/>
Serres, Michel. 1994. O Contrato Natural. Ed. Instituto Piaget.
Porto-Gonçalves et al, 2021. Pandemia: De Fratura Metabólica e Crise Sistêmica: um padrão de poder e de saber em crise. Inédito.
Scheibe, L.F. e Pellerin, J. 1997. Qualidade Ambiental de Municípios de Santa Catarina: o município de Sombrio. FEPEMA, Florianópolis.

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