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“Não se trata de viver melhor, mas de viver bem”

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Por IELA em 02 de dezembro de 2008

“Não se trata de viver melhor, mas de viver bem”
Por Raquel Moysés – jornalista
 
02/12/2008 – Judith Valencia foi presença constante durante a quarta edição das Jornadas Bolivarianas do Instituto de Estudos Latino-Americanos. A educadora da Universidade Central de Venezuela, ao discorrer sobre o tema Nações e Nacionalismos na América Latina, falou de seu país com o amor de quem se sente filha de uma terra, mas sem se perder em uma vazia concepção de pátria como algo separado, particular. Na descrição e na interpretação que fez de como está ocorrendo a revolução bolivariana e o processo constituinte de sua Venezuela, deixou transparecer um olhar sobre a experiência vivida que se abraça com a revolucionária consigna de José Martí: Pátria es humanidad.
 
Judith deixa claro que a revolução bolivariana não é um processo de ocupação do território, mas a construção de uma pátria. E não uma pátria pequena, mas a Pátria Grande. No entanto, como diz, nesse processo é preciso  antes de  mais   nada “ocupar a nós mesmos, nos emanciparmos até dentro da própria alma”. A educadora venezuelana diz que a dimensão do saqueio de que os povos latino-americanos foram vítimas e o empobrecimento conseqüente   envenenaram as almas. Por isso, vaticina: precisamos emancipar a nós mesmos para emancipar o território”.
 
Há que narrar
 
Na sua conferência,  Judith optou por “narrar” o processo bolivariano em curso no seu país. “Não há como analisar o que está acontecendo. Quando há protagonismo  em um processo de construção, há que narrar, contar.” Recordou, contudo, que  “o contexto da palavra é arbitrário, pois quem fala impregna, porque vive o que traz dentro de si.” Judith falou  dos ataques e desafios que têm  enfrentado o governo Hugo Chávez e o povo venezuelano na construção da revolução bolivariana.   Destacou  as contradições vividas em seu país e no mundo por causa da magnitude do imperialismo multinacional para apoderar-se de todos os recursos do planeta. “A ofensiva política contra-revolucionária busca oprimir toda expressão de soberania. A estratégia do capital transnacional é promover até a invasão da alma, com a contra-informação.”
 
A professora de Economia Política conta que o processo venezuelano não é planejado porque, “para ser protagônico  há que protagonizá-lo o povo”. Existem, no entanto, nesse caminhar, idéias substantivas para entender como, mesmo de golpe em golpe,  se vai avante em todas as direções. “ E é por isso que o governo bolivariano fixa datas rápidas, para não dar muito tempo de reagir ao inimigo, ao império.”
 
Desde que Chávez  retomou seu lugar, por força da ação popular vencedora do golpe de  abril de 2002 – armado por forças externas com o conluio poderoso da mídia de mercado venezuelana – Judith conta como nasceram as “missões” resultantes de trabalho popular organizado em vários campos da vida comunitária. E cada uma dessas missiones, que tratam da saúde, da moradia, da educação, do trabalho, da alimentação e tantos outros âmbitos da vida, levam um nome que tem significado para a memória histórica da nação. “O povo não só se pôs às ruas, como assumiu o governo, e vai se apoderando de sua própria vida”.  
 
Ano perigoso
 
Judith classifica 2008 como um ano muito perigoso, que exigiu ser enfrentado com análise contínua e estado de alerta governo venezuelano, porque há ofensivas externas – em grande parte fomentadas pelos Estados Unidos – que conseguem “congelar” a alma revolucionária de milhões de pessoas.
 
A economista lembra que o inimigo  continuamente busca se infiltrar no meio do povo para golpear setores onde há ação da comunidade, onde a revolução bolivariana reconquistou a terra, o petróleo, deu poder aos trabalhadores através do protagonismo popular e das missões. A nova geometria do poder mundial, adverte a professora,  ambiciona apoderar-se de todos espaço da vida, inclusive o aéreo e o subterrâneo.   
 
Mas a proposta da revolução bolivariana é mais ambiciosa ainda,  segundo Judith, e pretende criar seres humanos plenos, despertando neles  a necessidade de uma sociedade socialista. E o socialismo do século XXI, preconizado na Venezuela, é entendido como um passo fundador do caminho de um processo constituinte aberto ao futuro. A dimensão do humano pleno, porém, como adverte a educadora,  é algo a ser perseguido, porque o mundo capitalista representa não só o saqueio das riquezas naturais, mas também o saqueio do espírito, da mente, da esperança e da energia humanos.
 
Nesse caminhar por etapas há batalhas perdidas, mas,  diz Judith, a proposta revolucionária segue viva, alargando horizontes e perspectivas. “Não se admite nenhum passo atrás,  pois caminhamos até a Pátria Grande dentro da alma e da geografia. O sonho que move os venezuelanos na direção da Pátria Grande é  o de alargar a geometria do poder até os que nunca foram amparados,  os que nunca foram assistidos.
 
A revolução bolivariana, narra a educadora, persegue a união do diverso para enfrentar as políticas imperialistas e reconstruir um país que foi arrasado pelo imaginário e pela burocracia do petróleo. Há toda uma cultura que o petróleo arrasou. E o resultado disso é que o empobrecimento da Venezuela foi imenso. “Não se aprenderam ofícios, não se aprendeu a trabalhar.”
 
A hora do amanhecer
 
Judith admite que o abrir caminhos de um processo revolucionário é pleno de contradições, mas segue adiante porque há o desejo do povo de ser dono de seu destino,  de formar conselhos comunais, de eleger suas lideranças. E essa é  uma estrada já feita. Há também experiências em construção,  que se movem na direção da Pátria Grande, e que ela entende como acertadas. Um exemplo é a Alternativa Bolivariana para as Américas, que se alimenta da experiência indígena campesina, e cuja sigla forma, emblematicamente, a palavra “Alba”, que significa amanhecer.
 
Mas nesse processo todo, alerta  Judith, é preciso ter a paciência histórica, pois é preciso esperar que as pessoas cresçam. “Há um tempo para isso, e não é um tempo cronológico da educação formal. Para que a organização popular não cresça amarrada ela necessita  estar alicerçada no protagonismo,   é preciso que se tenha lideranças na comunidade.  E há que se respeitar os ritmos culturais, pois não se trata de viver melhor, mas de se viver bem.”           

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