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Um sinal de esperança para os países empobrecidos

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Por IELA em 08 de dezembro de 2020

Um sinal de esperança para os países empobrecidos

Poucos dias antes dos voos comerciais para Cuba serem restabelecidos, em meados de novembro, o médico e professor suíço Franco Cavalli viajou para o país caribenho. Ele foi um dos primeiros cientistas europeus a poder visitá-lo após um confinamento rigoroso.
“Encontrei um país exemplar na luta contra o COVID-19. No entanto, devido à pandemia e ao bloqueio, hoje ele enfrenta uma profunda crise econômica”, explica o presidente de MediCuba Europa, importante rede de ONGs de saúde presentes em 13 países do continente.
Entre março e a segunda-feira, 30 de novembro, os números oficiais corroborados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) refletem uma realidade sanitária excepcional. “Cuba contabiliza 50 vezes menos mortes do que a Suíça e quase 120 vezes menos do que a Bélgica”, enfatiza o prestigiado oncologista, que foi presidente da União Internacional Contra o Câncer (UICC) entre 2006 e 2008.
Nos últimos 10 meses, a nação caribenha, que tem cerca de 12 milhões de habitantes, registrou 8.233 infecções e apenas 134 mortes. Isso representa um impacto de 1,18 mortes por 100.000 habitantes. (al 30 novembro). Enquanto isso, sua vizinha, a República Dominicana, oscila em 21,92. A Alemanha -exemplo europeu no controle da pandemia- é de 19,68. A Suíça já atinge 55,53; e a Bélgica chega a 144,73, sempre para cada 100 mil habitantes .
Esforço sanitário exitoso
O sistema público de saúde totalmente gratuito e a concepção predominante da medicina comunitária “permitiram um controle bem-sucedido da pandemia, que poderia ter causado estragos como aconteceu em muitos países da América Latina e do Caribe”, diz Cavalli.
Ele enfatiza a “extrema disciplina cidadã. Nos dias em que estive em Cuba, nunca vi ninguém sem máscara. Os controles sanitários são sistemáticos. Ao entrar em qualquer instituição ou espaço público, eles medem a temperatura corporal e a desinfecção das mãos é obrigatória. Em muitos lugares, até os sapatos são desinfetados”.
Um dos objetivos de sua viagem foi informar-se sobre o progresso da vacina. Soberana 1 completou a primeira fase. Foi experimentada em duas faixas etárias, uma de mais de 60 anos e outra de mais jovens. A fase 2, na qual se mede a eficácia especialmente no nível de resposta celular e de anticorpos, está em andamento. Eles esperam começar com a fase 3 no final do ano. Eles estimam ter a vacina pronta para uso até o final de março e planejam aplicá-la até meados de 2021. Há um segundo projeto já em andamento: a vacina Soberana 2.
“Há muitos anos, Cuba vem investindo em pesquisa biomédica. Seus pesquisadores têm uma enorme experiência nessa área. Por exemplo, eles produziram a primeira vacina meningocócica do mundo”, explica o professor suíço. O Instituto Finlay, com o qual manteve contatos próximos durante sua recente estadia em Cuba, é um dos 32 centros que fazem parte do polo científico de Havana (BioCubaFarma), que congrega, no total, cerca de 20 mil pessoas.
Uma das características das agências especializadas em Cuba é desenvolver a pesquisa e a produção industrial em um mesmo espaço. As exportações biotecnológicas significam uma importante fonte de recursos para o país, lembra. Um exemplo: grande parte do mercado latino-americano de eritropoietina (EPO), essencial para o tratamento crônico de anemias, disfunção renal e tratamentos posteriores a ciclos quimioterápicos é assegurado por um produto cubano.
“Não tenho certeza, neste caso específico da vacina SARS-CoV-2, se a capacidade produtiva de Cuba pode ser suficiente caso ela chegue a uma parte do mercado global. No entanto, como a BioCubaFarma tem três subsidiárias na China, minha impressão é que parte da produção, se houver, poderia vir de lá”, reflete Cavalli.
O médico suíço lembra de ter ouvido em Havana uma frase que o marcou significativamente: “Não seremos os primeiros a ter uma vacina, mas aspiramos a ser o primeiro país a garantir a vacinação de toda a sua população”. Um desafio que, dado os avanços na pesquisa, poderia ser uma realidade em médio prazo.
A vacina cubana, acrescenta o cientista suíço, pode transcender fronteiras. Falando com várias autoridades da OMS/OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) na capital cubana, “concluo que há esperança de que essa vacina possa ser distribuída em países de baixa renda a preços acessíveis. Adaptada para altas temperaturas –ao contrário de outras em experimentação–, sem a exigência de cadeias frias sofisticadas, poderia ser uma alternativa real àquela produzida pelos grandes laboratórios farmacológicos”.
Situação complexa
As consequências econômicas da pandemia não podem ser subestimadas e têm efeitos quase dramáticos. “Se essa realidade for somada ao impacto do endurecimento do bloqueio, por exemplo, com a recente decisão de Donald Trump de impedir o envio de remessas familiares dos Estados Unidos para a Ilha, o quadro é duplamente preocupante”, insiste.
Elementos diários semelhantes à crise vivida pela nação caribenha durante o período especial, no início da década de 1990, já são percebidos, acrescentou. Talvez a diferença “é que agora a escassez de combustível é menor do que naquela época”. É muito evidente perceber os grandes esforços de poupança que são implementados em todas as atividades.
O turismo, um dos setores essenciais da economia, que contribui com 10% do Produto Interno Bruto, sofreu um impacto significativo nos últimos dez meses de autoconfinamento da Ilha. “Só agora essa atividade é retomada, mas com muitas precauções”, explica Franco Cavalli. O Aeroporto Internacional de Havana foi reaberto para voos de linha a partir de 15 de novembro e algumas regiões turísticas, como Varadero, foram reativadas.
Essa situação complexa não pode deixar a solidariedade internacional indiferente, diz o presidente da MediCuba Europa. Essa rede conseguiu canalizar 600 mil euros, durante os primeiros meses da pandemia, garantindo materiais necessários para preparar os testes, bem como 25 aparelhos de ventilação pulmonar.
Agora, o Instituto Finlay apresentou-lhe um projeto de quase meio milhão de euros para comprar instrumentos que eles não podem conseguir no mercado devido ao bloqueio estadunidense. São equipamentos que permitem medir, após a vacinação, a modificação dos glóbulos brancos que produzem os anticorpos que combatem diretamente o vírus.
Quase às portas de seus 80 anos, -e por mais de 40- Franco Cavalli faz da solidariedade internacional um de seus compromissos militantes diários. Cuba, América Central constituem seu horizonte prioritário, mas não exclusivos.
Sem abandonar sua reflexão crítica, como já expressou em entrevista anterior, a SOLIDARIEDADE é muito mais do que o conceito de “ajuda ao desenvolvimento”. E dizia: “O conceito é falso. Não questiono a noção de ajuda. Temos que continuar cooperando e sendo solidários. Sem essa pequena contribuição, certamente o povo desses países estaria ainda pior. Mas o que não podemos dizer é que essa ajuda vai levar ao desenvolvimento. A filosofia por trás do conceito de ‘ajuda ao desenvolvimento’ está equivocada. Devemos promover, acima de tudo, a mudança política das regras do jogo internacional”.
 
E essas novas regras exigem horizontalidade Norte-Sul-Norte. A partir disso, a esperança do presidente da MediCuba Europa: diante do impacto devastador da pandemia, no futuro, uma vacina descoberta e produzida no Caribe pode ser um sopro de esperança para os relegados da grande indústria farmacêutica multinacional.
 
Originalmente publicado em “América Latina em Movimento”
Tradução: Rose Lima
 

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