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Ayotzinapa e a ditadura mexicana

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Por IELA em 10 de junho de 2015

Ayotzinapa e a ditadura mexicana

 

Foto de Tania Faillace – Porto Alegre
O México hoje exibe uma das mais violentas ditaduras de que se tem notícia desde o século passado. Sua peculiaridade atual é que, ao invés de estar calcada, como tradicionalmente, nas elites proprietárias de terras, está diretamente ligada ao crime organizado internacional, hoje um dos principais instrumentos de manipulação e repressão às populações em muitos países do mundo, com apoio das classes econômicas hegemônicas, a nível local e regional.
Nos últimos dez anos, no México, houve 150 mil assassinatos dentro desse esquema, e 26 mil pessoas foram “desaparecidas”.
ANTECEDENTES
Nos anos 70, um dos últimos presidente democráticos mexicanos propôs aos governos da América Latina, o não-pagamento da dívida externa dos países, dívida que, como sabemos todos, tem origem principal em débitos privados (de empresas), e foi manipulada pelo sistema financeiro internacional, em matéria de custos, serviços, e juros a seu gosto. Entre os atores principais, temos o FMI e o Banco Central mundial.
Na época, boa parte dos países da América Latina estavam sob ditaduras militares, apoiadas e incentivadas por Tio Sam. O resultado foi funesto para o México – acabou-se o simulacro de democracia, e a ingerência das forças internacionais neocolonialistas fizeram-se sentir com peso total, contando com a cumplicidade ativa das elites nacionais.
No México, instalou-se um dos centros do Narcotráfico mundial, integrado ao sistema internacional da droga, hoje coordenado por agências estatais norteamericanas e seus associados. Processo que tinha iniciado ainda nos 60, com predomínio do ópio e derivados a partir do rei da Pérsia, Rheza Pahlevi, entronizado pelos mesmos serviços gringos, após a derrubada do democrata Mossadeghi. Houve um período feliz para alguns hegemônicos, a especulação financeira, o narcotráfico bem organizadinho sob a asa protetora dos governos persa (e ianque), com participação de famoso laboratório farmacêutico europeu, e todos pareciam muito felizes e divertindo-se com os amores de Soraya, Rheza, Farah Diba e outros príncipes do jet set internacional.  
Esse idílio acabou com a revolução dos Aiatolás, em 1979, que exterminou tanto o negócio como seus atores (os narcotraficantes), o que lhes valeu o ódio imortal dos hegemônicos ocidentais, e não só pela nacionalização de seu petróleo. A droga era também um produto de utilidade político-estratégica.
Além de seus lucros financeiros, a droga em geral tem a qualidade inestimável – do ponto de vista da plutocracia mundial, – de deteriorar fisicamente a mente humana e destruir suas normas de conduta e seus valores sociais e éticos, tornando-os muito mais flexíveis e mais fáceis de manipular, como assistimos hoje em relação à nova cultura do individualismo hedonista e apolítico, e do gozo sem limites (com tempero de drogas).
Assim, depois desse terrível – para eles – eventos na Pérsia/Irã, o negócio internacional e estratégico da droga, teve que ser reformulado, criando-se outros pólos de produção e distribuição. Cocaína na Colômbia, papoula no Laos, Tailândia e Afeganistão, e atualmente, também no México, estado de Guerrero, que ainda tem a desdita de possuir ouro e prata, e ser explorado por mineradora canadense.
Para quem não sabe, em relação à América Latina e aos projetos externos de neocolonialismo, os países ocidentais chaves são Estados Unidos, Reino Unido (britânico), Canadá e Israel, embora os participantes da decadente União Européia ainda se façam valer – em parte.
MÉXICO
Dentro dessa proposta geral, de submissão dos povos aos interesses das elite financeiro-econômicas mundiais (o capitalismo transnacional), o desmonte das instituições políticas democráticas, e, principalmente, das identidades nacionais, é muito importante.Dáí que se busca dividir os grupos sociais sempre que possível.
Assim, o governo mexicano, além de entregar petróleo, recursos minerais e o que mais pôde aos interesses do quarteto privilegiado acima mencionado,  vem-se esmerando em  destruir todas as conquistas das ações populares e democráticas. Ações que vem sendo alternadamente construídas, destruídas, reconstruídas, naquele país, desde a Revolução Mexicana, no início do século XX.
A Educação é, normalmente, o principal alvo dos dirigentes da extrema direita[1].
No México, a educação rural tem sido a mais atingida, provavelmente por conta da relativa autonomia política que as comunidades autóctones fazem questão de conservar e defender. Essa educação se dá nas Escolas Normais, que forma professores locais para atuar junto à juventude do meio rural, tanto em termos de conhecimentos gerais, como de conhecimentos agrícolas. Usa uma estratégia muito simples para ter o pretexto de fechar essas escolas, uma a uma: não lhes manda recursos, o que impede sua manutenção (são escolas que funcionamm em regime de internato ou semi-internato, devido a suas características pedagógicas, e a origem de seus alunos, moradores de  pequenas comunidades e áreas agrícolas).
Ayotzinapa estava na lista para ser fechada. O governo suspendeu sua manutenção para reduzir (pela fome) suas matrículas, tornando-a inviável. Mas mesmo com apenas 140 alunos, a escola persistiu.
Resolveram os alunos divulgar seus problemas à população em geral, denunciando a ação governamental, e pedindo contribuições voluntárias para a manutenção da escola – o que aqui chamamos, pedágio beneficiente, que é bastante usado em Porto Alegre e outros locais, sem maiores problemas.
No dia 26 de setembro último, de volta à escola, esses estudantes, que viajavam em ônibus fretados para isso, foram interceptados por forças policiais militares, no município de Iguala. Interceptados à bala. Os que desceram dos veículos para dialogar, foram assassinados a sangue frio. Perseguição, interceptações, tentativas de fuga e de argumentação, e pedidos de socorro médico, estenderam-se por toda a madrugada ao longo do caminho.
A uma certa algura, um dos veículos foi detido e os estudantes passageiros do mesmo, em número de 43 (quase um terço de todas as matrículas) foram embarcados em veículos policiais (camburões) e desapareceram da face da Terra.
Razão alguma para essa detenção. Nem legal, nem política, nem de mero bom senso. Mesmo sob o ponto de vista de impedir a mobilização estudantil na salvação da escola, não haveria razão para a fúria desencadeada, de assassinar a sangue frio rapazes desarmados, arrancar-lhe os olhos (como fizeram a um deles), e sequestrá-los. Seria muito mais simples – e bastante conhecido por todo o mundo – o expediente de intimá-los a comparecer à delegacia ou secretaria de Educação, interrogá-los, chamar a direção da escola, coisas assim.
A fúria irracional demonstrada pelos executores dos jovens se explica pela circunstância de que a ditadura mexicana não é uma ditadura tradicional, que procure manter suas aparências e imagem pública, é ela administrada pelo narcotráfico, que usa seu produto para também dominar seus funcionários e transformá-los em psicopatas e psicóticos de carreira.
Tal como ocorre com Boko Karam, na África, e o Estado Islâmico, no Oriente Médio. Os funcionários policiais mexicanos são usados e comportam-se como grupos mercenários, em surto sádico-paranóico, pelo uso indiscriminado de drogas (essas mesmas drogas que os jovenzinhos brasileiros e coxinhas querem “liberar” para seu gozo pessoal ).
E o governo mexicano não deu explicações até hoje.
A PEREGRINAÇÃO  DA DENÚNCIA
Cumprindo um périplo de comunicação e denúncia, e esperança de apoio da sociedade civilizada, os pais dos 43 estudantes sequestrados e desaparecidos pelas forças policiais da cidade de Iguala, estado de Guerrero, no México, depois de serem recebidos pelo povo argentino e o paulista, estiveram por alguns dias em Porto Alegre. A idéia básica seria que as entidades de direitos humanos de diversos países pudessem pressionar as autoridades mexicanas a esclarecer o caso, e lhes devolverem os filhos, sãos e salvos, como consigna sua divisa: vivos los llevaron, vivos los queremos.
Nesse périplo, fizeram seu depoimento e participaram de vários atos: um debate no SIMPA (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) no dia 6 de junho, com uma teatralização por conta do grupo Levanta Favela; uma manifestação no Parque Farroupilha no dia 7; e um encontro na Esquina Democrática no dia 8, quando colaborou o grupo Oi Nóis Aqui Traveis com uma teatralização do episódio.
O grupo que veio à América do Sul, composto por duas mães (duas homônimas, Hilda e Hilda, um pai, Mário, e um estudante sobrevivente, Francisco) pede notícias e pressão das entidades de DDHH para serem atendidas suas reivindicações  – a apresentação dos 43 desaparecidos COM VIDA, e o esclarecimento do delito e identificação de seus responsáveis.
O grupo não tem buscado autoridades nesses contatos, porque a ditadura mexicana os fez desacreditar dos poderes públicos, uma vez que são de origem indígena comunitária, com seu próprio sistema de auto-gestão colaborativa e cooperativa. Sistema que a ditadura mexicana parece querer destruir de uma vez por todas.
(Não interessa ao agronegócio, que hoje toma conta de todos os espaços rrurais de que se aproxima)
Segundo se sabe, o México deve desaparecer como país soberano, integrando-se ao trio: Canadá, EUA e México. Para isso está sendo construída a rodovia NASCO, que deve unir os três países numa espécie de corredor exclusivo, cercado como um campo de concentração e policiado, com mais de um quilômetro de largura.
Essa obra tem sofrido muitos entraves e objeções dos próprios norte-americanos e de seus estados, porque avança indistintamente sobre propriedades rurais, áreas urbanas, sem dar satisfação a quem quer que seja.
O estado do Texas já conseguiu embargar a obra várias vezes, mas o projeto em si e os canteiros de obras permanecem em vários lugares.
Inicialmente, o empreiteiro era de origem espanhola, mas com a crise financeira espanhola, parece ter-se afastado, sendo substituído por outros.
Curiosamente, a imprensa global não se ocupa desses assuntos. E a brasileira, muito menos. Por que será?
IRRACIONALIDADE OSTENSIVA
Esse episódio, um dos mais bárbaros e bizarros de que temos notícia por parte de qualquer ditadura conhecida em tempos modernos, não se explica sequer pela constatação de que a crítica e a oposição são reprimidas pelos regimes autoritários.
Esses rapazes não estavam fazendo algazarra, nem pichando paredes, nem fazendo passeatas: voltavam para a escola rural, onde estudavam, após um pedágio beneficiente, a fim de coletar recursos para a própria escola, – pública – que o governo mexicano deixou de atender e manter.
Voltavam esses estudantes para casa, quando foram interceptados por policiais municipais de Iguala, caminho obrigatório para a volta à escola, ao anoitecer. Esses policiais os interceptaram a tiros. Alguns alunos desceram para identificar-se e foram abatidos, sem explicações.
A história, porém não se encerrou aí, e iria noite e madrugada a dentro. Com pedidos inúteis de socorro médico, novos tiros, novas perseguições e interceptações, até que, já próximos da escola, 43 deles foram obrigados a descer para serem enfiados em camburões.
Dos feridos graves, apenas um sobreviveu, e se conserva em estado vegetativo há 8 meses. Os eventos deram-se ao final de setembro passado. Mas o mais notável, foi a omissão de socorro, inclusive por parte de órgãos do ministério público e  da procuradoria da justiça.
Desde então, as famílias dos desaparecidos clamam para que se faça justiça. Querem saber o que aconteceu, querem seus filhos de volta.
Fotos e textos de Tania J. Faillace
[1] vemos isso até no estado do Rio Grande do Sul, atualmente com a proposta de privatização(!) do ensino público (!).
 

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