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Em Ayotzinapa, forma-se a turma Sangue, Resistência e Esperança

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Por IELA em 19 de julho de 2015

Em Ayotzinapa, forma-se a turma Sangue, Resistência e Esperança

 

Padrinhos dos alunos prestam homenagens aos desaparecidos

Na semana que passou, aconteceu a formatura de 124 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa Raúl Isidro Burgos, no México, a mesma escola de onde saíram os 43 que foram sequestrados e desaparecidos por forças policiais na cidade de Iguala, no dia 26 de setembro de 2014. Na cerimônia, que contou com a presença de renomados intelectuais e militantes populares o que não faltou foi desejos de justiça e de luta. A turma 2011-2015 chamada de Sangue, Resistência e Esperança formou jovens que ensinarão nas escolas rurais de educação primária e de educação física. Nas cadeiras ornamentadas faltavam 48 (43 desaparecidos, três mortos e dois feridos – um ainda em coma e outro em recuperação), mas os seus rostos estavam estampados em pinturas que não permitiram e não permitirão o esquecimento. Todos eles foram graduados.
Os patronos da turma foram Elena Poniatowska, Juan Villoro, Armando Bartra, Gabriel Retes, Luis Hernández, Rafael Barajas, Héctor Bonilla e Marta Lamas, alguns dos mais importantes intelectuais mexicanos. A formatura foi um forte grito de protesto e de dor pela perda dos companheiros em circunstância tão trágica, vítimas do próprio estado. A cerimônia foi realizada na frente da Escola Normal que tem sido um sementeiro de professores com influência em quase todas as lutas sociais da região desde a abertura da escola em 1926.
Segundo os relatos registrados pelo jornal La Jornada, a escritora Helena Poniatowska foi a primeira  a falar: “Sei que cada um de vocês daria sua vida para poder abraçar a seus companheiros, os que hoje nos faltam, mas é justamente porque eles nos faltam que vocês têm de seguir em pé”. Lembrou de Rosario Ibarra de Piedra, que desde o anos de 1975, nunca deixou de buscar seu filho Jesús Piedra Ibarra, desaparecido aos 21 anos de idade. Também trouxe à memória Raúl Álvarez Garín, líder do movimento de 1968, em Tlatelolco (um massacre contra os estudantes), que nunca descansou e conseguiu colocar no banco dos réus o ex-presidente Luis Echeverría.
O escritor Juan Villoro também falou aos formandos e familiares. “Termina uma turma que está carregada de ausências. Ao longo de quase um ano, a palavra Ayotzinapa articulou o México numa República de indignação e sentimento. Constatamos um país de injustiças e de impunidade, no qual não há explicações convincentes para a desaparição forçada de pessoas. É difícil encontrar algo que nos mova, mas esse lema dessa turma é uma síntese perfeita e, me atrevo a dizer, é um projeto de atividade e de trabalho; sangue, resisitência e esperança. Não esquecer  a dor, mas tratar de convertê-la na imaginação de um futuro distinto. A notícia de 26 de setembro de 2014 pareceu repetir numerosas agressões que são vividas em Guerrero e em muitas outras partes do território mexicano; o mais assombroso desse opróbio é que é repetido. Trata-se de uma dor que regressa. Então, temos de acabar de vez com a perpetuação da impunidade e da injustiça”. 
O jornalista Luis Hernández fez questão de recordar um episódio farsesco que ocorreu no dia 4 de julho, em Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, quando uma mulher de nome Nayeli Mijangos foi aos noticiários dizer que ao apresentar-se para um exame de admissão como professora do secundário havia sido agredida por outros professores. Segundo ele, apesar de ter sido reproduzida à exaustão nos meios de comunicação, aquela história não era verdadeira. Foi uma montagem. A moça é uma jornalista que tem atacado durante anos o movimento dos professores no México. 
A Normal de Ayotzinapa, seguiu Luis, tem sofrido ao longo de sua história muitas campanhas como essa, de estigmatização, de perseguição. “Assim foi em 1941, quando as forças policiais detiveram estudantes e os acusaram de haver substituído a bandeira do México por uma outra, preta e vermelha. Também aquilo foi uma mentira, como essa de Nayeli Mijangos. As Escolas Normais tem sido acusadas de serem escolas do diabo, espaços de bolcheviques, sementeiras de guerrilheiros, ninho de comunistas e outras coisas mais.Mas, por que esse ódio contra as escolas normais? Porque vocês são o último reduto da Revolução Mexicana. Porque é nas escolas normais rurais que se resumem as duas grandes demandas da revolução: uma educação livre, laica, gratuita e obrigatória para a população, bem como a reforma agrária”. 
O ator Héctor Bonilla fez uma fala emocionada lembrando que seus pais foram fundadores da Normal de Ayotzinapa. “Quando meu pai foi diretor aqui, recebeu Florencio Encarnación Urzúa, que se casou con Chucha Vallares, os dois oriundos de Coyuca de Benítez, e fundadores do sindicato dos copreros, o mesmo que conseguiu tirar da mãos dos gringos (estadunidenses) a exploração da copra, Vocês também tem uma história por trás de cada vida. O que resta a essa turma agora é enfrentar a realidade sem qualquer vacilação”.
Armando Bartra, escritor e professor universitario disse que aquele era um momento para recordar a dor, a ignomínia, e recordar o crime de Iguala. “É um momento para refrescar nossa coragem, nossa indignação. Isso não se esqueçe Essa ferida não se fecha. Alguns dizem que Ayotzinapa foi esquecida. Isso não é verdade. Pode até diminuir o movimento e a convocatória, isso é inevitável, mas independentemente das mobilizações enfraquecerem, isso nunca se esquecerá”. Bartra ainda conclamou aos estudantes: “Podemos seguir tendo coragem, indignação, ira, mas não podemos nunca perder a esperança e a alegria, ainda que estas palavras soem estranhas em  Ayotzinapa. Esperanza e alegria. Vocês vão formar crianças e têm de formá-los na esperança, na alegria, no riso, no canto. Não se trata de ocultar as coisas, de negar o mundo, de não falar de injustiças e de dor, mas há uma responsabilidade com a esperança e com a alegria”. 
O cineasta Gabriel Retes Balzaretti perguntou: Como explicar às crianças desse país que, por serem estudantes, de um momento para outro podem desaparecer? Como podem assim no más, desaparecer 43 alunos que estudavam para educar? Como podemos participar na construção de um país justo, equitativo, com uma paz verdadeira, que se estenda a todas as pessoas sem importar sua origem? 
O caricaturista Rafael Barajas, El Fisgón, disse que as agressões sofridas pela Normal de Ayotzinapa se converteram num emblema de como estão os mexicanos, voltando a um passado sombrio, como os do tempo da exploração petroleira. 
A escritora e feminista Marta Lamas propôs que essa turma siga estudando e educando, impulsionando a ação cidadã, fazendo assim com que coisas como a que aconteceu em Iguala nunca mais se repitam. “Vocês estão cumprindo valentemente com a dor da memória dos assassinatos e das desaparições. Contra isso, nem perdão, nem esquecimento”. 
Finalmente, o escritor Paco Ignacio Taibo falou através de uma gravação que uma país sem professores é um país de merda. “Necessitamos de nossos professores e vocês são os vestígios do projeto socialista de educação. Precisamos de vocês”.  
Os professores recém formados reafirmaram seu compromisso com a educação e com a luta. No meio de tanta dor, eles encontram espaço para a esperança. O México haverá de se levantar. 

Texto extraídos do Jornal La Jornada – México

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