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O México sem lei

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Por IELA em 10 de agosto de 2015

O México sem lei

Jiménez – incansável nas buscas dos estudantes

Essa semana celebrou-se mais um aniversário do grande líder camponês que, junto com Pancho Villa, estremeceu o México na revolução de 1910. Emiliano Zapata. Um homem simples, mas firme nos propósitos de ver a sua gente livre, com terra para plantar, educação e soberania. Sua lembrança não é mítica. Ele é presença cotidiana na vida de milhares de pessoas que seguem perseguindo esse sonho.
Um dos espaço que mais guarda o legado de Zapata e Villa são as escolas rurais. Lá, formam-se professores para ensinar no campo, sementeira de zapatismo, e os professores e professoras que saem dessas escolas normais tem algo que não é muito comum no México: pensamento crítico, conhecimento da história, práxis revolucionária. 
Não é sem razão que os alunos e alunas das Escolas Normais, que formam maestros para ensinar nas escolas rurais estão sempre sob a mira do governo, da direita, do narcotráfico e tudo aquilo que atua contra a construção de soberania. 
E foi justamente esse ataque sistemático contra os professores rurais e seus formadores que culminou da chacina mais covarde dos últimos tempos no México: o sequestro, a tortura, o assassinado e o desaparecimento de 43 normalistas. Esses estudantes tinham ido até a cidade de Iguala arrecadar dinheiro para poder mandar um ônibus até a cidade do México, nas comemorações de um outro massacre histórico, o de Tlatelolco, acontecido em 1968, e que sempre é lembrado para que os mexicanos não ousem repetir.
Mas, o México ousou. Repetiu, e desta vez com muito mais perversidade. Não foi um ataque à luz do dia em pretensa defesa da ordem. Não. Foi uma estratégia covarde de ataque a estudantes indefesos dentro de um ônibus escolar. Alguns tombaram no local, outros foram levados. As notícias são de que sofreram bárbaras torturas e depois tiveram os corpos carbonizados. Ninguém diz onde estão os corpos. O governo coloca a culpa no narcotraficantes e esses a assumem porque são capachos do governo. O jogo de empurra-empurra visa vencer as famílias e os militantes no cansaço.
Mas, a tática não funcionou e desde o crime, que completa um ano em setembro, familiares, amigos e militantes sociais buscam os 43 de Ayotzinapa. Nesse meio tempo, o governo mexicano permite que os chamados “narcos” exterminem um a um os que insistem em buscar os corpos. Sábado, mais um assassinato gritou nas manchetes mexicanas. Desta vez foi uma das figuras mais emblemáticas da luta pela busca dos estudantes: Jiménez Blanco. Ele já havia denunciado que as colinas de Iguala eram um cemitério e que ali adormeciam centenas de corpos, tombados pelos policiais e pelo narcotráfico. Depois da desaparição dos estudantes, ele sistematicamente fazia escavações nas colinas, chegando a encontrar mais de 100 corpos.  Nenhum era dos estudantes, mas provava sua tese de que ali era um cemitério. Depois do início de suas buscas mais 300 famílias denunciaram desaparecimentos, o que mostrou que aquela era uma prática sistemática no estado de Guerrero.
Foi Jiménez Blanco um dos um dos fundadores, em 2013, de um dos grupo de polícia comunitária criados no estado para poder defender as famílias do estado de completa barbárie causado pela ação dos narcotraficantes e paramilitares. Sua luta incessante pelos corpos dos estudantes acabou criando um grande movimento em todo o país, visando não só encontrar os estudantes de Ayotzinapa, mas todos os jovens que estavam morrendo e desaparecendo como moscas pela ação do crime e da repressão.  
Na semana passada outro ativista foi assassinado, o jornalista  Rúben Espinosa, de 31 anos que veio engrossar a lista de mais de 14 repórteres assassinados só no estado de Veracruz. Ele tinha saído do estado e estava na cidade do México, justamente por conta das ameaças de morte, mas não escapou. Foi abatido com um tiro na cabeça e outro no peito, não sem antes sofrer torturas. Na ação, outras quatro pessoas, todas mulheres, que estavam com ele, também foram executadas, tendo sido violentadas sexualmente antes do assassinato. 
O assassinato do jovem jornalista e suas amigas levantou o México em comoção, mas isso não arrefeceu a sanha dos que querem varrer da face da terra qualquer pessoa que insista em desvendar os desaparecimento dos estudantes. Sem que o estado ofereça qualquer proteção aos familiares e ativistas, os criminosos seguem tocando o terror, muito para reforçar a tese do governo de que isso tudo é obra de “traficantes”, buscando eximir-se das responsabilidades. Agora, com a execução de Jiménez Blanco mais uma liderança é apagada do mapa.  Ele foi encontrado no banco de um taxi, com um tiro na cabeça. Típico de execução. 
A morte de Blanco faz parte de um ataque sem quartel que vem sendo realizado contra os lutadores  sociais no México. Visa difundir o medo e impedir que as pessoas continuem na luta por justiça e vida digna. A naturalidade com que os crimes acontecem sem que o governo assuma uma postura mais dura com relação a isso está colocando o país em polvorosa. O México é um caldeirão. Os direitos humanos são violados diariamente. Guerrero está em pé de guerra. Já não suporta mais tamanha barbárie. Ou Peña Nieto dá respostas ou algo vai passar.
O México nos dói, todos os dias, por conta dos crimes que se repetem, por conta dos assassinatos recheados de perversidade. É a luta diária da memória contra o esquecimento. O que se sabe é que passe o que passar, os 43 de Ayotzinapa seguirão gritando na noite escura e haverá quem os escute. 

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