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Sob as ordens da memória e da miséria

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Por IELA em 29 de maio de 2022

Sob as ordens da memória e da miséria

Oswald vivendo a ociosidade

Beleza o estilo de Oswald de Andrade reencontrado em seu último livro Diário Confessional.
As trevas do dinheiro: “quando espera a glória vem o oficial de justiça”. A verdade é que desproletarizaram Oswald de Andrade. Queria fazer uma pequena enciclopédia proletária.Seu pai tropeiro, condutor de tropas da Serra do Picu, Itamonte, Minas Gerais, para o Rio.
Herdou a diabetes de sua mãe. “Minha mãe gorda, e tutelar, mandava dar gorjetas ao cozinheiro ou ao Maitre D’Hotel para nos servir bom peixe”.
Onipresente a natureza: “as condições especiais dos trópicos (clima nudista de natureza farta). Nosso indígena como protótipo detentor dessa weltamshauumg é a minha tese apoiada em missionários e viajantes”.
Abominava o marxismo escolástico e de caráter jesuítico. Criou a trialética: o ocioso, o senhor e o escravo. Eis o enigma na crítica literária: “O suicídio poético de Rimbaud, a quebra do instrumento”. Lembra o desabafo de Glauber Rocha: “as mulheres queriam que eu fosse Rimbaud, e os homens queriam que eu fosse Godard”.
Infância; “as crianças não enlouquecem”. As primeiras enunciações dos meninos são silábicas.
Aprender a falar é reproduzir o que ouve, segundo Mattoso Câmara em Princípios da Linguística Geral. Oswald de Andrade: “o importante é o que se ouve, e não o que houve”.
Marxismo. “Observação sensacional de Engels. O homem deixou de devorar o adversário para fazê-lo prisioneiro e escravo”.
Velhice pobre: “sou um rato vivo, pulando atrás de queijo que tenho o direito de roubar para mim e para os meus”.
O nome do maridão: “o matriarcado desliga do amor a ideia da gestação”. Menciona a sociedade da algema e da arquitetura cowboy de Bauru.
O problema da literatura brasileira é que ela não anda de ônibus. “Pagamos ainda o dízimo ao estrangeiro”.
Não queria uma velhice velhaca.
Antropofagia, palavra grega que significa comer carne humana. Isso não quer dizer que a antropofagia não tenha sido amiga do homem. Eu acho infeliz a escolha desta palavra para designar sua reflexão filosófica. É que seu pensamento vai além disso. A devoração consiste em uma estratégia para evitar o utópico e o escatológico.
Ficou fascinado com a palavra “antropofagia” que encontrou em Shakespeare, e não a largou até o final da vida. Ficou na contemporaneidade como o único filósofo antropofágico. O apego a esse conceito de antropofagia não restringiu o alcance de seu pensamento e nem prejudicou seu estilo literário.
Pau-Brasil, por outro lado, não é uma palavra grega, designa um vegetal de tingir pano. Pau vermelho. Pau ensolarado. O nome Pau-Brasil é muito mais representativo do trópico e apropriado como expressão do que antropofagia.
Na poesia de Oswald de Andrade a vegetação prepondera sob o animal e o mineral. Não esqueçam que a mão-de-obra da extração da madeira começou com o índio e depois com o negro escravizado pelos donatários. Empresários da escravidão tentando fortuna com o pau-brasil. A primeira perda internacional da economia, diria Leonel Brizola. A madeira cobiçada pelos contrabandistas ingleses, franceses, portugueses e holandeses. A devastação ecológica com fogo na floresta. O binômio trágico nos acompanha até hoje: fertilidade dos trópicos e capitalismo antiecológico.
 
 

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