Início|guiana Francesa|A greve geral na Guiana Francesa e o despertar de uma nação

A greve geral na Guiana Francesa e o despertar de uma nação

-

Por IELA em 18 de julho de 2017

A greve geral na Guiana Francesa e o despertar de uma nação

Manifestações realizadas de Março a Abril deste ano mobilizaram grande parte da população da Guiana Francesa

Para além do Acordo da Guiana, as cinco semanas de conflito na Guiana Francesa (Março a Abril de 2017) trouxeram outras vitórias muito mais simbólicas e essenciais para o futuro deste país. De fato, o levante da sociedade guianesa contra as insuficiências de décadas do Estado Francês ajudou a despertar uma consciência nacional da Guiana Francesa que anteriormente era minoritária.
Este despertar nacional se articulou em torno da adoção unânime da bandeira da Guiana Francesa e da reafirmação de uma identidade franco-guianesa integral. Esta tomada de consciência coletiva resultou no Acordo da Guiana pelo pedido de mudança estatuária.
A adoção por unanimidade da bandeira da Guiana
A bandeira da Guiana Francesa foi criada nos anos 60 e 70. Ela é composta de uma estrela vermelha sobre um fundo amarelo e verde. O Amarelo e o verde simbolizam a riqueza do solo e subsolo franco-guianês, enquanto a estrela vermelha recorda o princípio da emancipação social. Esta bandeira foi adotada há 40 anos pela principal central sindical do país com vocação independentista, a UTG. O MDES (Movimento pela Descolonização e Emancipação Social, partido político independentista) a usa como seu emblema desde sua criação há 25 anos. Desde sua criação, o comitê da bandeira tem feito um duro trabalho de campo para a promoção e adoção da bandeira da Guiana Francesa.
O movimento social dos meses de Março e Abril provocou a adoção quase unânime da bandeira da Guiana. A marcha de 28 de Março foi especialmente marcada por isso. Várias centenas de bandeiras flamejavam sobre a enorme marcha de Caiena. Logo passaram a ser encontradas em toda parte, nos piquetes, barragens, veículos etc… A bandeira da Guiana foi hasteada na frente do edifício da Autoridade Territorial da Guiana (CTG) na presença de seu Presidente que já havia negado veementemente que essa bandeira pudesse coexistir com as bandeiras da França e da União Europeia. Ela também foi hasteada no Reitorado da Guiana durante as mobilizações. Finalmente, com a assinatura do Acordo da Guiana na Prefeitura de Caiena, a bandeira foi colocada em frente à mesa das autoridades.
Ao fim das mobilizações, a bandeira da Guiana que já foi objeto de controvérsia no passado definitivamente parece ter surgido como marcador de identidade. O Kolectif Pou Lagwiyann Dékolé (KPLD) também criou seu símbolo baseado nesta bandeira e o presidente da CTG está empenhado em não remover a que foi hasteada no Edifício da Coletividade.
O avanço da identidade da Guiana Francesa
Como em qualquer sociedade chamada “pós-colonial”, a identidade da Guiana Francesa tem sido assunto de muito debate. Na disputa entre o assimilacionismo e uma identidade completa, a identidade da Guiana tem sido muitas vezes objeto de confusão. As mobilizações deste ano permitiram a expressão dessas várias declarações de identidade. Vimos desta forma essas duas concepções de identidade se confrontando.
Por um lado, os defensores de uma Guiana “Francesa”, reivindicando que os franco-guianenses devem ter o mesmo tratamento que os franceses da Metrópole. Eles não concebem a Guiana em situação colonial e consideraram os atrasos históricos como um “esquecimento” da França. Esta visão da identidade da Guiana é muitas vezes compatível com uma forte demarcação entre franceses e estrangeiros, mas não impede uma demarcação de identidade entre francesas da metrópole e franceses da Guiana quando seus próprios interesses econômicos estão em jogo. Uma grande parte da burguesia adota esse posicionamento ideológico.
Por outro lado, temos os partidários de uma identidade da Guiana completa, que concebe a população da Guiana Francesa como uma comunidade destinada a formar uma nação guianesa. Esta perspectiva de identidade é acompanhada da análise colonial da situação do território que encontra o subdesenvolvimento econômico como um componente sine qua non do colonialismo. A identidade defendida é largamente integrante e baseada sobre uma visão internacionalista que inscreve a Guiana no conjunto da América do Sul. Muitos intelectuais da Guiana e ativistas da luta de classes e/ou independência defendem esta visão identitária.
Desde o início do movimento é a visão assimilacionista que dominou os debates, especialmente através dos líderes dos 500 irmãos, mas gradualmente à medida o conflito avançava, a perspectiva identitária completa ganhou terreno até que se traduziu como “o espírito de 28 de Março”, em referência às enormes manifestações que reuniram toda a Guiana Francesa na diversidade de seu destino comum. No final do conflito, todo mundo reconheceu que a Guiana é um território com muitas especificidades econômicas, geográficas, demográficas e estruturais e, portanto, que a lei francesa não pode ser aplicada sistematicamente no território. Isto permitiu que a alteração estatutária se impusesse nas reivindicações do KPLD.
Notemos, contudo, que o avanço desta perspectiva de identidade integrante ainda permanece frágil. Na verdade, acredito segundo o resultado das eleições presidenciais francesas que foram realizadas no dia seguinte à assinatura do Acordo da Guiana, que a visão assimilacionista permaneceu forte. Assim, embora apenas 40% do eleitorado tenham comparecido às urnas, a porcentagem de 25% dos votos conquistada pela Frente Nacional (FN, partido de Marie Le Pen) que centrou sua campanha sobre a xenofobia e o sentimento de pertença à França nos faz perguntar. Será que há uma radicalização colonial? Devemos ver o resultado como consequência da relação apresentada por uma parte do movimento entre imigração e violência? Ou é uma rejeição ao “espírito de 28 de Março”, que buscava um destino comum à Comunidade? Em qualquer caso, o período que se abre deve presenciar o compromisso das forças progressistas para consolidar essa visão emancipatória que se exprimiu nas ruas da Guiana Francesa em 28 de março de 2017.
Perspectivas de mudança estatutária
Para que uma nação florescera, ele precisa de um território e regras de bom funcionamento. As fronteiras da Guiana Francesa que foram objeto de disputa colonial durante séculos são estáveis há cem anos. No entanto, durante o movimento social recente, uma tomada de consciência emergiu sobre o fato de que um número significativo de habitantes transfronteiriços também dependia da estrutura da Guiana, particularmente nas áreas da saúde e educação, e que a cooperação internacional era necessária.
Em um território administrado por uma metrópole (o que é a definição de uma colônia), as regras de funcionamento são frequentemente inadequadas. Desde o “não” no referendo de 2010 sobre a alteração de status da Guiana com o artigo 74 da Constituição francesa, o debate sobre a evolução estatutária se estagnou. As mobilizações recentes permitiram retrazer à luz a inadequação do status de “Departamento e Região Ultramarina (DOM)” para a Guiana Francesa. O Acordo da Guiana prevê a realização de um congresso de representantes eleitos da Guiana que deve convocar uma Assembleia dos Estados Gerais e se pronunciar sobre um pedido de mudança de status. Esta caminhada promete ser ainda longa e tortuosa. Talvez nós encontremos várias reviravoltas pelo caminho, como na discussão anterior para alterações estatutárias em 2001, que após uma mudança na constituição, permitiu a realização de um referendo 10 anos depois. Talvez. Mas poderemos seguir eternamente contra o curso da história? Por quanto tempo mais a Guiana Francesa será “la ultima colonia de América del Sur”, como os nossos vizinhos de língua espanhola dizem?
___________
Adrien Guilleau é militante do Movimento pela Descolonização e a Emancipação Social (MDES), membro da União de Trabalhadores Guianeses (UTG) e do Novo Partido Anticapitalista da França.
Tradução de Maicon Cláudio da Silva. Original publicado aqui.
 

Últimas Notícias